sexta-feira, 27 de abril de 2018

SANTO ANTONIO FUJÃO



A trilha de Santo Antonio Fujão será retomada.

Duas coisas unem os ceboleiros: Santo Antonio e a Associação Olímpica de Itabaiana. Falemos do Santo. Com a chegada dos sesmeiros (século XVII), fundou-se no vale fértil do Jacarecica, o Arraial de Santo Antonio, onde se construiu a primeira igreja. O passo seguinte foi transforma-lo em Villa.
Criou-se a Irmandade das Santas Almas do Fogo do Purgatório (1665), para viabilizar a compra de um sítio na localidade da Caatinga de Ayres da Rocha, visando se construir a sede da Villa e uma nova igreja. O sítio pertencia ao padre Sebastião Pedroso de Gois, de São Cristóvão. Aqui houve divergências: como transferir a comunidade do Vale do Jacarecica, às margens de um rio, para um locar árido e sem água. O povo não aceitou. Como o padre tinha interesse em vender a sua propriedade, inventou a lenda de Santo Antônio Fujão. Isso eu aprendi na escola de Dona Jozeíta, no Beco Novo.

O padre trazia Santo Antônio para a sua propriedade, e colocava-o debaixo de uma quixabeira. Depois espalhava que o santo fugiu. O povo caia no mato a procurar a imagem. Quando a encontrava, sempre no mesmo local, fazia uma procissão levando o santo de volta. O padre nas missas usava esse argumento, para ajudar ele vender o sítio. Vocês querem o Arraial aqui, mas o santo quer lá, e agora? Prevaleceu o prestígio de Santo Antonio.

Esse ano, no próximo 13 de junho, esse caminho de idas e vindas de Santo Antônio Fujão será retomado. As 6 horas da manhã, em ponto, Santo Antônio Fujão estará saindo da igreja velha, em direção a quixabeira da Praça da Matriz. A Associação Sergipana de Peregrinos se fará presente. Esperamos o comparecimento de todos, fieis e infiéis...

Nesse furdunço de retomar a trilha de Santo Antônio Fujão, identificamos mais uma explicação para o nome da Villa de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. Existem várias hipóteses. Desde a bobagem que Ita é pedra em Tupi, referindo-se a serra, e baiana era uma moça bonita que morava por aqui; até versões mais eruditas.

Sem pretensões a exclusividade, arisco mais uma explicação: no livro “O Tupi na Geografia Nacional, de Theodoro Sampaio (1911),” o nome da serra de Itabayana deriva de tabayan ou tabanga; taba-y-na, taba-anga, significando morada das almas. Eu ainda alcancei o povo chamando Tabaiana. Nessa versão, a serra era um cemitério dos Tupinanbás, a morada das almas, comprovada recentemente pelo naturalista Marcos Mota, filho de Tonho de Libanio, que descobriu grutas e cavernas no pé da serra (onde se enterrava os mortos).

Nessa nova versão, fica fácil entender o vocábulo “Alma” no nome da Villa. Santo Antonio era o nome do Arraial, e Almas era uma referência ao nome da serra, Taba-anga (morada das almas), um secular cemitério dos índios. Portanto, Villa de Santo Antônio e Almas de Itabaiana.
Antonio Samarone.

HOMENAGEM A ALBERTO CARVALHO


Homenagem a Alberto Carvalho (texto de Mirian Carvalho)

Na minha mesa tá faltando ele...

Meu pai era das palavras, dos livros, das letras, “ livros mudaram minha vida, mudaram minha alma...”. Desde sempre me vi rodeada por tudo isso, seja vendo-o ler incessantemente ou “naquela mesa onde ele sentava sempre” e conversava contente com toda gente que chegava por lá. E contava piadas, das melhores! Mas suas ações, ah suas ações, o tornaram protagonista da canção “se todos fossem iguais a você, que maravilha viver...”.

Em cada canto da nossa casa havia música, não tive como não me apaixonar por Chico,  Vinícius, Charles, Elizeth,  por Emílio ou Clara Nunes... eram tantos e tão bons, que a gente ia se aproximando, e não era preciso apresentações, a gente ia se olhando e se gostando. Até imbricar-se...

Dentre as histórias da nossa casa, havia a identificação com Cinema Paradiso, quando ele recordava da vida em Itabaiana com tio Petrônio, este a recortar as cenas dos filmes e meu pai a vender balas para não perder nenhuma sessão. Ele vibrava com a singeleza desse filme, com as músicas de Zorba, o Grego, com o piano de Golpe de Mestre e com tudo de Ennio Morricone. Comovia-se com a força de Casablanca, com a genialidade de Charlie Chaplin, Woody Allen, Fellini e com Ladrões de Bicicleta.... e assim, adentrei numa atmosfera que só me fazia apaixonar por um outro mundo, para me desligar desse aqui.

Mais tarde eu cantava “Eu sei que vou te amar” e ele declamava “Soneto de Fidelidade”, e numa dessas nos juntamos com músicos amigos para gravar esse momento em estúdio  e ele simplesmente “De tudo ao meu amor...” “De tudo ao meu amor...” “De tudo ao meu amor...”  Não adiantava, travou! “Esqueci, pronto, esqueci!”. A gente só conseguia rir...

A varanda da nossa casa era o seu coração. O dele e o de minha mãe. Era acolhimento a qualquer pessoa para conversar sobre qualquer assunto, para servir o que ela preparava, era lugar de festejar e para onde eu sabia que podia ir sem medo. Era lugar de estar feliz.
Ofenísia Freira disse numa entrevista quando lhe perguntaram um lugar de paz: “A casa de Alberto Carvalho”. Ela estava certa.

A biblioteca da nossa casa era o avião particular dele. Lá ele conhecia quem ele quisesse e o lugar que desejasse; ele falava de tudo com tanta propriedade que ninguém duvidaria que ele foi lá ou viveu de fato tudo aquilo, tornando-se assim a principal referência para tantos quando estavam em busca de conhecimento. Era só “falar com Alberto”. Era meu ponto de chegada e de partida. E ainda é.

O meu pai na minha vida me faz falta. Sinto falta de falar com ele sobre um filme bom que assisti, ou sobre uma música que descobri... sinto falta da paz, do porto, do amor em cada gesto dele. Em mim, ficou mais do que o nariz tanto lembrado nas caricaturas que fizeram dele, ficaram as melhores piadas e os ensinamentos para não perder a ternura diante dessa vida dura.

terça-feira, 24 de abril de 2018

A SAÚDE COMO MERCADORIA



A SAÚDE como mercadoria.

A assistência à saúde tornou-se uma atividade econômica das mais lucrativas. No Brasil, representam 10% do PIB. Ao incorporar-se ao mercado, a saúde virou mercadoria, e assumiu as suas propriedades: padronização, impessoalidade, valor de troca, produção em massa, produtividade e a lógica do lucro. Como transformar um serviço que era centrado no cuidado, no acolhimento, na individualização do tratamento, no alívio ao sofrimento em mercadoria?

O primeiro setor da saúde a submeter-se a lógica do capital foi o de medicamentos. A indústria farmacêutica assumiu a produção dos remédios, no pós Segunda Guerra, e o consumo disparou. Basta vê a prosperidade das farmácias, uma em cada esquina, e não param crescer. A rede de comercialização dos medicamentos só perde para a de distribuição de bebidas.

Com o envelhecimento da população as necessidades de atenção a saúde aumentam. Este setor da economia cresce, mesmo em períodos de recessão da economia. O retorno dos investimentos é garantido. O paciente virou consumidor. O que fez a medicina, uma profissão milenar, para adaptar-se a lógica de mercado?

A grande mudança foi a transformação do cuidado médico em procedimentos. A fragmentação do cuidado, semelhante a uma linha de montagem da indústria, foi o caminho de adaptação da medicina ao mercado. O cuidado é muito subjetivo, pessoal, imprevisível, implica numa relação de confiança; inadequado a lógica de lucro e da padronização das mercadorias. Foi preciso transformar o cuidado em pequenas intervenções (procedimentos) e o estabelecimento dos protocolos. Os procedimentos são realizados por diferentes médicos. O paciente deixou de ter um médico cuidador. O trabalho é coletivo, uma linha de desmontagem sem coordenação. Cada médico conserta uma peça do padecente.

A Associação Médica Brasileira (AMB) criou uma Classificação Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), transformando o cuidado médico em 4.700 procedimentos. Tudo especificado, codificado e com o preço de cada subitem. Existem outras tabelas de procedimentos, da ANS, do SUS, dos Planos de Saúde, etc. O discurso de um sistema nacional de saúde, universal, público e gratuito; e de uma assistência integral e equânime foi derrotado. Perdi mais uma!
Antônio Samarone.

sábado, 21 de abril de 2018

BANZO



Banzo

“O negro chegava, e ao experimentar o áspero cativeiro, entristecia e definhava, entregava-se ao desespero, fugia como um doido, banzava por aí afora, preferindo-se matar-se a cair novamente nas mãos do senhor”. (Lycurgo). O negro escravo, arrancado das plagas africanas, padecia de mortal tristeza, padecia de banzo, causa frequente de suicídios.

O banzo é um ressentimento entranhado por qualquer princípio, causado por tudo aquilo que pode melancolizar a saudade dos seus, e da sua pátria; o amor devido a alguém; à ingratidão, a aleivosia, a cogitação profunda sobre a perda da liberdade; a meditação continuada da aspereza da tirania com que os tratam. Esta paixão da alma a que se entregam, que só é extinta com a morte. Um forte parecer sobre o caráter dos africanos (fiéis, resolutos, constantes). O banzo era o resultado do ressentimento pelo rigor com que os tratavam os seus senhores, rigor acrescido de crueldade e tirania. (Memória de Oliveira Mendes)

O banzo dos escravos era a nostalgia da medicina europeia. Nostalgia foi o nome científico (do grego nostos, retorno à terra natal, e algos, dor ou sofrimento). Interessa aqui destacar que, como observa Rosen, em fins do século XVIII, a nostalgia era aceita como entidade clínica, reconhecida por médicos como uma enfermidade ocorrente em diversos grupos sociais, não apenas entre soldados, e descrita em vários países da Europa.

O quadro ocorreria com frequência entre soldados (em especial entre os jovens convocados à força) deslocados para regiões distantes de seu torrão natal, em geral em condições muito adversas, em guerras ou ocupações militares. Estes seriam acometidos por um profundo desespero, em razão das saudades de casa ou diante da ideia de jamais voltar a ver o solo pátrio. Este sentimento progrediria até se tornar uma doença, muitas vezes fatal, com manifestações físicas e mentais: enorme tristeza, insônia, fraqueza, falta de apetite, alterações gastrintestinais, ansiedade, palpitações cardíacas, febre, apatia, estupor, além das incessantes e suspirosas lembranças do lar distante. O único remédio eficaz, reconheciam os médicos militares, era o retorno à terra natal, já que os nostálgicos não serviam mais para as armas (Rosen).  

Antônio Samarone.

O FIM DA POLÍTICA



O fim da política.

Como a política ainda não acaba esse ano, teremos eleições, tomo a liberdade de fazer alguns comentários sobre Sergipe. O meu raciocínio parte do pressuposto que o eleitorado votará usando os critérios de sempre. Pelas pesquisas, não tenho sinais de que haverá mudanças.

Nos últimos 35 anos somente cinco políticos governaram Sergipe: João Alves, Albano Franco, Valadares, Marcelo Déda e Jackson Barreto (uma dinastia). Como será a renovação dentro da visão tradicional da política, quem serão os nomes para o futuro?

Sem exercício de adivinhação, pelos espaços que ocupam na vida pública, quatro nomes estão na linha de frente para substituir a dinastia anterior, a médio prazo: o prefeito de Aracaju Edvaldo Nogueira; o senador Eduardo Amorim; e os deputados federais Valadares Filho e André Moura, líder do presidente Temer. O resultado da próxima eleição será decisivo.

Claro, da geração mais nova, na política tradicional, tem outros nomes que podem emergir e se tornar líderes de projetos, chefes políticos. Não vou arriscar nomes. Entre os que estão atrás, na segunda fila da corrida, muitos já tiveram chances e não se firmaram, perderam espaço. Outros estão construindo os seus projetos, podem crescer. O jogo está aberto.

Na corrida eleitoral desse ano só enxergo duas novidades, entre os alternativos: Tarantela pela direita, ao lado de Bolsonaro; e Márcio Souza, pelo PSOL, que podem surpreender. No mais, são figuras repetidas, conhecidas de outros carnavais. Fiquei procurando novidades entre os outsiders, os que se apresentam como “não políticos”, sinceramente, por enquanto nada original. Contudo, a disputa eleitoral está apenas começando.  
Antônio Samarone.

terça-feira, 17 de abril de 2018

A MELHOR IDADE



A melhor idade.

O envelhecimento da população leva inexoravelmente ao aumento das demências irreversíveis. Entre elas, o Alzheimer corresponde a mais de 50%. A perda da memória e da atividade cognitiva apavora a quem sabe do que se trata. Entre as enfermidades, talvez sejam as demências que causem mais temor. Uma pessoa com Alzheimer terminal, ainda pode viver 12 anos.

Contrariando os crentes na auto-ajuda, nas teses simplórias que só envelhece quem quer, basta sentir-se jovem, que os problemas desaparecem; as demências não respeitam essas bobagens. Com a idade elas chegam, ignorando a ilusão e o pensamento positivo dos “velhos de espírito jovens”. Ou seja, as receitas da auto-ajuda não funcionam.

A medicina não se deu por vencida. Se os exercícios da mente (auto-ajuda) não afastam as demências, porque não exercitarmos o cérebro? Isso mesmo, fazer ginástica cerebral (brainfitness), uma forma de aumentar as reservas do cérebro. Se o cérebro está involuindo, atrofiando, regredindo; vamos estimular a neurogênese e a criação de novos circuitos cerebrais, adiando as demências.

Essa é a novidade: com a idade, começarmos a fazer coisas novas. Escovar os dentes com a mão contrária, andar pela casa de trás para frente, conferir as horas pelo espelho, aprender tocar um instrumento, fazer trilhas, ioga, pintar e bordar, desde que estejamos estimulando circuitos inativos do cérebro. Claro, isso não impede a chegada das demências, mas pode adiá-las por um bom tempo. Tem uma certa lógica, o risco é a gente desaprender a andar para frente.
Antônio Samarone.

domingo, 15 de abril de 2018

Os Direitos Humanos Serão Proibidos no Brasil



Os direitos humanos serão proibidos no Brasil.

O desprezo pela vida foi a marca da civilização no Brasil. Foi assim com índios e negros, consumidos pela violência, maus tratos e extermínio, ao longo de nossa história. Continua sendo assim com a população mais pobre. Presos e mortos, sem direito aos serviços da justiça. Dependendo do crime, a execução sumária está socialmente autorizada. A vingança substituiu a justiça.

A relação cangaço/volante era mais civilizada. O medo da violência é quem legitima mais violência. Todos os excluídos são suspeitos de tráfico ou de envolvimento com o crime, no mínimo coniventes, e muitas vezes eles não conseguem provar a sua inocência. São mais de 600 mil jovens encarcerados no Brasil, uma boa parte sem a devida condenação judicial.

Os porta-vozes da violência, diante de chacinas, execuções e linchamentos, esbravejam: - não me venham com essa lorota de direitos humanos, quem tiver pena de bandido, que leve para a sua casa. E os últimos e raros defensores dos “direitos humanos” estão intimidados, caíram na clandestinidade. Ficaram com medo de levantarem as suas bandeiras, e caírem em desgraça na opinião pública.

Só falta aparecer um parlamentar, desses da bancada BBB, para apresentar um projeto de lei proibindo os direitos humanos no Brasil, tornando-o crime inafiançável. E por ironia, ainda colher assinaturas, para torna-lo de iniciativa popular. Em pesquisa recente, 87% da população sente-se mais indignada com os maus-tratos aos animais (sobretudo cães e gatos) que aos humanos. A solidariedade, a fraternidade e a compaixão saíram de moda, e até a misericórdia estrou em vias de extinção.
Antônio Samarone.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

O SUS AGONIZA


O SUS agoniza.
Não sei porque circula como novidade nas redes sociais, que estão querendo acabar com SUS. Isso vem de longe, acelerado nesse governo. A medicina comercial não se conforma na existência de serviços gratuitos de saúde, e alguns de boa qualidade. A ambição pelos lucros não tem limites. O capital financeiro, que comanda os planos de saúde, quer transformar o SUS em Mais Médicos, ou seja, num serviço primário para as populações na linha da miséria. Transformar a assistência as enfermidades em parte da assistência social aos mais pobres. Nessa visão neoliberal, cabe ao estado apenas assumir o papel da antiga filantropia, um retorno as misericórdias.
Os grupos liberais no Congresso, tendo a frente a bancada BBB, acusam o SUS de ser uma política “comunista cristã”. A Constituição determina que a saúde seja “um direito de todos e um dever do estado”, nada mais comunista; e o modelo assistencial do SUS aponta para uma atenção integral e equânime, nada mais cristão. Do ponto de vista liberal, dos que são contra os direitos sociais, é natural que proponham a entrega da saúde ao mercado. Afinal, eles defendem o reino das mercadorias. Na prática, a União sufoca o SUS, reduzindo a sua participação no financiamento.
Para quem ainda não percebeu, vai sobrar para estados e municípios, que se defrontam com uma demanda de 80% da população, que não pode pagar aos planos de saúde. Entenderam a estupidez em se gastar recursos tão escassos no luxo do Taj Mahal? Resta-nos, aos que acreditam em “saúde como um direito”, organizarmos a resistência.
Antônio Samarone.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

E POR FALAR EM PRÊMIO NOBEL


E por falar em Prêmio Nobel?

Uma questão me incomoda. Por que o Brasil nunca ganhou o Prêmio Nobel? A Academia Sueca premia anualmente, desde 1901, pessoas que se destacam em seis modalidades: física, química, medicina, economia, literatura e paz. Por que nenhum brasileiro fez por merecer esse prêmio? Fui esmiuçar e comecei pela medicina.

Carlos Chagas foi indicado em 1913 e 1921, pela descoberta da doença que leva o seu nome; Antônio Cardoso Fontes, em 1934, pelo trabalho com o bacilo da tuberculose; Adolpho Lutz, em 1938, por seus sobre doenças tropicais; e Manoel de Abreu, em 1946, pela abreugrafia. Todos perderam. De lá para cá, nem indicados temos.

Pelo menos no caso de Carlos Chagas, foi uma profunda injustiça. Ele descobriu uma doença importante, seu agente etiológico, o inseto transmissor, o ciclo biológico do parasito, animais reservatórios, as formas clínicas agudas e crônicas, e a sua sintomatologia. Mesmo assim não foi contemplado. Em 1913, a indicação de Carlos Chagas não chegou nem a ser avaliada; em 1921, a indicação foi avaliada, a documentação apresentada era consistente, mas a Academia Sueca resolveu a não premiar ninguém em medicina. Em 1921, não houve ganhadores.

Os historiadores da medicina comentam que as derrotas de Carlos Chagas, foi motivada pelas brigas aqui no Brasil. Alguns pesquisadores da própria Fiocruz, entre eles Afrânio Peixoto, Figueiredo de Vasconcelos, e o nosso Parreiras Horta se posicionaram contra, enviaram relatórios e documentos, desclassificando o trabalho de Carlos Chagas. Chegaram a questionar se a doença de chagas existia mesmo. Inimizades pessoais, desavenças, ciúmes e invejas, impediram o primeiro Nobel em medicina para o Brasil.               
Antônio Samarone.   

quarta-feira, 11 de abril de 2018

O DR. SIMPLÍCIO



O Dr. Simplício.

De família remediada, Simplício sempre foi um bom aluno. Bem-comportado, destoando da molecada, em Itabaiana. Não sendo da estreita elite local, compensava estudando. Sempre pronto e perfumado, Simplício era diferente: tímido, falava pouco, ouvia os Beatles, usava calça lee original, colecionava selos e ouvia a Voz da América. Nunca se meteu em política. Isso causava inveja e despeito, gerando dificuldades de convivência para o inteligente Simplício, na vida rude da Aldeia.

Simplício virou o Dr. Simplício, um médico bem-sucedido. Ganhou dinheiro, conheceu o mundo, aprendeu os segredos dos vinhos, refinou os hábitos e as vestes. Dentro do possível, virou um fidalgo. Contudo, o Dr. Simplício permanecia discreto, circulando apenas em seu mundo privado. Sempre sensível e educado, atencioso, incapaz da mínima ofensa ao semelhante. Continuava distante da política.

Com essa irracional onda de ódios e intolerâncias, o Dr. Simplício entrou em ação, assumiu uma militância política inesperada. Bateu panelas, vestiu a camisa da seleção e danou-se a escrever para as redes sociais. Até livro já escreveu. Umberto Eco, num exagero, disse que “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade.” Não é o caso do Dr. Simplício, ele não é um imbecil, pelo contrário.

O Dr. Simplício vestiu a camisa do fascismo. De uma hora para outra, passou a manifestar ódio aos pobres, as cotas, aos nordestinos, a diversidade, aos negros, a inclusão social, a fraternidade, a tolerância, no fundo, passou a odiar o Brasil. O Dr. Simplício sonha em ir embora, ser americano, europeu, até português serve. Ser do primeiro mundo. Os amigos de infância, nunca suspeitaram que no coração daquela alma bondosa, habitasse um monstro. Os textos são rebuscados, com uma erudição de mercado, um certo humor, mas a mensagem central é de ódio, intolerância e violência. O Dr. Simplício revelou-se um preconceituoso. No dia sete de abril, o Dr. Simplício comemorou com um vinho Petrus tinto, de 1945, brindou com os amigos e deu vivas a uma nova intervenção militar, para salvar o Brasil.
Antônio Samarone.

terça-feira, 10 de abril de 2018

JOSÉ CÂNDIDO DE FARIA



JOSÉ CÂNDIDO DE FARIA

Nasceu em 20 de janeiro de 1803, em Salvador/BA. Em 1822, aos 19 anos, foi enviado pelo pai para estudar medicina em França. Formou-se em 29 de julho de 1829, pela Faculté de Médicine de Montpellier, a mais antiga da Europa, que teve como professores celebridades como François Rebelais, Antoine Portal (médico do rei Luiz XVII), entre outros. Anos após a formatura, passou a atuar em Laranjeiras/SE, onde fundou o primeiro hospital da cidade – o Hospital de Caridade Senhor do Bonfim, ao lado de Francisco Alberto de Bragança. Casou-se com Josefa María-Aragonez e com ela teve quatro filhos, Henrique, José, Adolpho e o mais famoso, Cândido José Aragonez Faria, que se destacou internacionalmente na França, como artista plástico.

O médico José Cândido de Faria faleceu aos 52 anos, em 5 de novembro de 1855, em Laranjeiras/SE, de cólera morbus, enfermidade que ele havia descrito em sua tese, na famosa faculdade francesa, e que nesse ano dizimou milhares de vidas em Laranjeiras, em torno de quatro mil óbitos (quase a metade da população da cidade). A esposa, Josefa Aragonez de Faria, espanhola, viúva, 30 anos, faleceu de “tisica pulmonar”, em 1860, no Rio de Janeiro. O filho famoso, Cândido Aragonez, faleceu em Paris, em 17 de dezembro de 1911, sepultado no Cemitério Saint Vincent.

Atestado de óbito de Cândido Aragonês de Farias:

Aragonez de Faria. L’an mil neuf cent onze le dix huit Décembre à neuf heure vingt du matin. Acte de décès de Candido Aragonez de Faria, dessinateur né a Sergipe, (Brésil) le douze Août mil hui cent quarante neuf décédé au domicile conjugal, rue de Clignancourt 16 hier à midi. Fil de Joseph Candido Aragonez de Faria, et de Josepha Aragonez,18 époux décédés. Marié à Berthe Adolphine Berthier cinquante et un ans, sans profession. Dressé par nous, Maurice Moor adjoint au Maire officier de l’Etat civil du 18e. arrondissement de Paris, Chevalier de la légion d’honneur, aprés constatation et sur la déclaration de Gabriel Toucher, vingt neuf ans, employé, 2, Place Saint sulpice e de Felix Boudet, quarante et un ans, emplyé 28 rue Hermel, non parents qui ont signé avec nous aprés lecture.
Antônio Samarone.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

GINÁSIO CHICO DO CANTAGALO



Ginásio poli desportivo Chico do Cantagalo.

Voltei hoje ao Bairro São Cristóvão, que na infância eu chamava de Cruzeiro. Bairro de gente pobre, negros e mulatos, paneleiros e sapateiros, celeiro do futebol em Itabaiana. Ali ficavam o Etelvino Mendonça, os campos do Cantagalo e o de Mané Barraca. O governo construiu no local um ginásio poli desportivo, imenso, confortável, digno do espirito esportivo do Itabaianense, e o batizou com o nome de Chico do Cantagalo. Justa homenagem.

Em Itabaiana o futebol de salão vem de longe, no final da década de 1950, já se disputava campeonatos na Praça da Feira. Depois, no campo do padre, ao lado da Igreja e, finalmente, no GLEI, criado pelo Dr. Mazze Lucas, e administrado por Chico do Cantagalo. Já tivemos até campeonatos de basquete. E hoje? Não sei informar...

No Cruzeiro existiam vários times de futebol, os melhores da cidade. O São Cristóvão e o Ideal foram várias vezes campeões; o Margem da Serra, o juvenil de Mané Barraca. São do Cruzeiro os craques Lima, Zé Luiz, Faete, Coringa, Dedé, Nado (o preto e o branco), Zé de Chico, Elísio, Augusto, Tonho de Preta, Zé de Vitinha, Divo, e mais um monte que eu esqueci.

Mudando a prosa.

Na visita ao Cruzeiro, fui procurar a casa de Seu Mané Barraca. Um negro alto, desportista, líder da comunidade, rezador de fama e quebrador de pedras. Foi ele, com um pequeno canivete aquecido, que debelou a minha primeira ulceração de Tunga penetrans, o “bicho-de-pé, pulga-de-areia, bicho-de-porco, tunga (para os índios). Uma parasitose encontrada pelos Jesuítas em sua chegada ao Brasil, descrita por Hans Staden, Gabriel Soares de Souza, Thevet e Lery. Uma parasitose histórica, decorrente da mais absoluta falta de higiene. O Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil (1630), assim descreveu: “são uns bichinhos de feição de pulgas, que se metem nos dedos e solas dos pés de quem anda descalço. Quem sabe tirá-los inteiros sem lesão o faz com a ponta de uma faca, mas quem não sabe, rebenta-os e ficando a pele dentro, cria matéria.”

Só retirava a tunga quem sabia, tinha prática, não podia deixar os ovos, nem fragmentar o nódulo. Mané Barraca era um perito, preciso e rápido, e a gente tinha vergonha de reclamar se doesse. O tratamento clínico era demorado, com pomada de vaselina com DDT ou mel de fumo. A indicação era cirúrgica. Quem já teve bicho-de-pé não me deixa mentir, era uma coceira dos infernos. Seu Mané Barraca me curou.
Antônio Samarone.

terça-feira, 3 de abril de 2018

ACABARAM COM O SERIGY



Acabaram com o Serigy.

Um crime contra a memória da Saúde Pública. A destruição já começou, toda a fiação está sendo retirada. Os corredores vazios e as salas abandonadas. Fui na antiga sala da abreugrafia, procurar Seu Luís, nada. O berço da Saúde Pública em Sergipe, inaugurado em 1936, com a presença do Ministro da Saúde, Centro de Saúde de excelência, a nível nacional, foi fechado por Jackson Barreto. Lembro-me do orgulho do Dr. José Machado de Souza, quando tomou posse como Secretário da Saúde, no Palácio Serigy. Grandes nomes da medicina e da enfermagem sergipana passaram pelo Serigy.

O governador Jackson Barreto apagou a memória da Saúde Pública em Sergipe. O prédio está conservado, amplo, mas ficou pequeno para as ambições políticas do primo, que ele coroou como Secretário da Saúde. Passamos por um período de trevas na Saúde Pública. Soube que vão botar o SAMU na parte dos fundos do Serigy, onde ficavam os expedicionários da Segunda Guerra. Vamos aguardar.

Hoje na visita ao Serigy, senti a revolta dos que construíram a Saúde Pública em Sergipe. Costa Pinto, Garcia Moreno, Walter Cardoso, Gilton Resende, Eduardo Vital; as nossas enfermeiras da Ana Nery, as assistentes sociais, todos os funcionários que por ali passaram, unidos, me fizeram um pedido: lute para o Serigy não acabar. A sala da Dra. Jacy estava vazia, nenhuma parteira. Na saída, fui ao quartinho do Seu Zé Carlos, e ele estava lá, triste, Dona Maria continua na sala do cafezinho, cheia de estórias; esses são eternos, nem Jackson Barreto remove. Por fim, um desabafo de impotência: Não tirem o Serigy da Saúde Pública.

Antônio Samarone.