segunda-feira, 26 de março de 2018

TEREMOS ELEIÇÕES EM OUTUBRO?



Teremos eleições em outubro?

Após o adiamento da prisão de Lula pelo STF, o ódio recrudesceu. Basta observar a intolerância política nas redes sociais. A caravana do PT enfrentou dificuldades no Rio Grande do Sul, foi atacada por uma militância disposta as vias de fato. Quem antes só batia panelas, foi para o enfrentamento físico. O PT equivocadamente minimiza as agressões recebidas, tentando passar a imagem de que tudo foi festa, acreditando que a luta política se resume as versões.

O quadro se agrava: o atual grupo no poder, com o projeto de aprofundar o neoliberalismo, tem poucas chances eleitorais. Pelas pesquisas, Lula ganharia no primeiro turno. Candidato ou não, preso ou solto, Lula seria um polo nas próximas eleições. 

Como ninguém que chega ao poder por vias transversas, deixa-o pacificamente; considerando a existência de uma base social de apoio radicalizada e poderosa, mesmo minoritária. A evidencia de uma derrota eleitoral açodará a tentação pelas mudanças nas regras do jogo. O que significa a candidatura de Temer, com apenas 3% de aprovação?  Pode ser tudo, menos disputar eleições. O único candidato do bloco que chega aos dois dígitos nas pesquisas é Bolsonaro, ainda não palatável pela Globo. Neste cenário, a sobrevivência da democracia passa por uma pacificação improvável dos ânimos. Os ataques ao estado de direito no Brasil ainda não avançaram, devido a conjuntura internacional desfavorável as ditaduras, sobretudo no ocidente. Temo pela democracia.
Antônio Samarone.

quarta-feira, 21 de março de 2018

GINÁSIO DE ESPORTES CHICO DO CANTAGALO



Ginásio de Esportes Chico do Cantagalo.

O novo Ginásio de Esportes em Itabaiana receberá o nome de Francisco Vilobaldo de Oliveira (Chico do Cantagalo). Não sei de quem partiu a ideia, mas quero registrar os meus aplausos. Chico era um gentleman, amigo de todos, um homem dedicado as gentilezas. Chico fundou e presidiu o Cantagalo Futebol Clube, clube do qual fui atleta; criou o Grêmio Literário e Esportivo de Itabaiana (GLEI), com uma escola para os meninos pobres do Beco Novo (onde hoje é o Rotary), e uma quadra esportiva com o piso de cimento, nos fundos do Tanque do Povo. Foi uma revolução para o futebol de salão em Itabaiana, que antes disputava os seus torneios na Praça da Feira e depois no campo de areia do padre Everaldo. O nosso primeiro espaço para esportes, murado e com piso de cimento foi o GLEI.

Chico do Cantagalo era um arquivo vivo da vida cultural de Itabaiana, conhecia quase todas as famílias, quem era parente de quem, tinha a genealogia de cada família na cabeça. Para espanto e indignação, num final de tarde de uma quinta-feira, 16 de julho de 2009, Chico do Cantagalo foi assassinado por uma alma sebosa, aos 75 anos.  Para quem é de Aracaju, Chico do Cantagalo era irmão do vereador Cosme Fateira, que propôs um título de cidadão aracajuano ao urubu.

Conheci de perto Chico do Cantagalo, fui atleta e amigo. Chico estava sempre disponível, nunca deixava de fazer um favor, muitas vezes sem poder. Chico aplicava injeção nas casas das pessoas que precisasse. Para os mais novos, Chico possuía um estojo que esterilizava as seringas e agulhas flambando no álcool. Não existia as seringas descartáveis. Naquele tempo até aplicar uma injeção era difícil. Portanto, o belo Ginásio de Esporte que será inaugurado em Itabaiana levar o nome de Chico do Cantagalo, um homem honrado e generoso, está mais do que merecido. Penso até em comparecer a inauguração.
Antônio Samarone.
A foto foi cedida pelo historiador Almeida Bispo.

sábado, 17 de março de 2018

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DOS REMÉDIOS


Apontamentos para uma história dos remédios.

Na primeira metade do século XX, havia duas maneiras de se produzir medicamentos. Uma artesanal, em pequena escala, centrada em fitoterápicos, sem a necessidade da intermediação médica para o consumo; e outra industrial, larga escala, centrada em substâncias químicas, exigindo a receita médica para o acesso ao consumo. Vamos ao primeiro modelo.

Pequenas empresas produziam elixires, xaropes, balsamos, grãos de saúde, fortificantes, peitoral, vinho, licor. Esses medicamentos só poderiam ser comercializados após a competente aprovação das Juntas Estaduais de Higiene. Eram pequenas fabriquetas e acanhados laboratórios, geralmente de propriedade dos inventores das misturas ali produzidas. Uma produção artesanal, totalmente descentralizada, contudo, fiscalizado pela Saúde Pública. A rede comercial oferecia desde os medicamentos produzidos por um farmacêutico famoso da Capital Federal, até os produzidos por um farmacêutico provinciano, da nossa bela Maruim.
Esses medicamentos de marca registrada, geralmente fitoterápicos, formulas secretas, de amplo espectro, que restauravam, tonificavam, fortaleciam, depuravam, reconstituíam, corrigiam, recompunham, preveniam, curavam, etc.; eram vendidos diretamente aos consumidores, sem a necessidade da intermediação médica. A sua regulação era orientada pela Farmacopeia (Coleção das fórmulas de medicamentos básicos).

No Brasil, a primeira foi a Farmacopeia Geral para o Reino e os Domínios de Portugal, sancionada em 1794, e obrigatória a partir de 1809. Após a Independência, foram utilizados, além desta, o Codex Medicamentarius Gallicus francês e o Código Farmacêutico Lusitano, hoje considerado como a 2ª edição da Farmacopeia Portuguesa. Em 19/01/1882, o Decreto n° 8.387, estabeleceu que para o preparo dos medicamentos oficiais seguir-se-á a Farmacopeia Francesa, até que fosse composta uma Farmacopeia Brasileira.

Finalmente, em 1926, as autoridades sanitárias do País aprovaram a proposta de um Código Farmacêutico Brasileiro, apresentada pelo farmacêutico e professor de farmácia Rodolpho Albino Dias da Silva. Este Código foi oficializado em 1929 e tornou-se a primeira edição da Farmacopeia Brasileira. Obra de um único autor, a primeira edição da Farmacopeia Brasileira (1.150 páginas), equiparava-se às farmacopeias dos países tecnologicamente desenvolvidos, com uma diferença, continha a descrições de mais de 200 plantas medicinais, a maioria delas de origem brasileira.

Na primeira metade do Século XX, encontravam-se à venda nas farmácias, boticas e drogarias sergipanas: o peitoral de cambará, indicado no combate as bronquites e a coqueluche; para o estomago era aconselhado que se bebesse caxambu, lambary e cambuquira; contra a queda de cabelo, o tônico de camomila; para o combate os vermes intestinais. Lumbricida Vegetal; para fortalecer a dentição, os pós calcários naturais, do farmacêutico Antonio Carvalho, de Maruim.

O balsamo humanitário, aprovado pela Inspetoria de Higiene, do farmacêutico Durval Freire, era indicado para reumatismo, inchação, feridas, mordeduras, queimaduras, inflamações do fígado e baço, bem como para as afecções do peito. Do mesmo profissional tínhamos o vinho reconstituinte de quinino fosfatado, indicado para fraqueza geral, dispepsia, anemia, neurastenia, erisipela e caquexia.
Vinho de cássia occidentalis composto, do farmacêutico Carvalho, indicado contra as febres palustres, o paludismo crônico, o ingurgitamento do fígado e do baço (vulgarmente dureza), icterícia, anemias, além de ser um excelente aperitivo.

A matricaria de F. Dutra é anunciada como medicamento homeopático indicado para fortalecer a dentição das crianças, tornando-as tranquilas. Evita também as desordens do estômago, corrige as evacuações, cura a febre, as cólicas, a insônia, previnem os vermes e tornas as crianças mais fortes, alegres e sadias. Já para as doenças do estomago, fígado e intestino usava-se os Grãos de Saúde do Dr. Antunes.

Xarope de grindelia, de Oliveira Junior, indicado para moléstias do peito, defluxo, influenza, enfisema pulmonar, tosse pertinaz, e catarro nas vias áreas. O elixir nogueira, salsa, caroba e guáiaco, indicado na cura a sarnas gálicas, tumores gomosos e reumatismos. Licor de tayuyá, indicado para sífilis, moléstia da pele, impureza do sangue, eczemas, reumatismo e ingurgitamentos linfático.
 
Outros medicamentos encontrados nas farmácias e drogarias sergipanas: água de vichy purgativa; água sulfatada maravilhosa, restaurador da vista; carne líquida de Valdez; gelol – bálsamo analgésico e estimulante; gonol, maravilhosa injeção antiblenorrágica; injeção cadet; Iodureto de potássio quimicamente puro; Licor de bismuto Schacht; Licor de Laville; pariquina, infalível remédio contra as hepatites agudas e crônicas; pastilhas anti-sépticas de Jones, para a garganta; Pastilhas peitorais do Dr. Zed; Pílulas de ocreina Gremy; Piperazina granulada de Midy; p        ó laxativo de Vichy, do Dr. Souligoux. Vinol, o delicioso preparado de fígado de bacalhau sem óleo.

Xarope anti-artritico de Orlando Rangel; Xarope de bromureto de stroncio de Laroze; xarope fenicado de Vial; xarope de thiocol Roche. Elixir estomacal de camomila e caricina – Dória. – Heroico medicamento que pode ser usado sem nenhum resguardo, indicado para azia e cólica, fastio, vômitos, indigestões, sonhos, pesadelos, dores de cabeça, gastralgia, clorose, anemia, etc. Pílulas e Xarope de Blancard. Iodureto de Ferro inalterável, indicadas no tratamento de anemia, Clorose, tuberculose, escrófula e papeira. Medicamento francês.  

Emulsão de Scott (1902), óleo de fígado de bacalhau com hipofosfito de cal e soda, de Scott e Bowne, químicos de Nova York, contra anemia, tísica, raquitismo, enfermidades nervosas, do peito e pulmão, alterações do sangue e dentições difíceis. Visicatório de Albespeyres, medicamento francês.
Cápsula Raquin – Copaivato de sódio. Curam os fluxos agudos ou crônicos. Medicamento francês. Moléstias Secretas Cápsulas Raquin Únicas cápsulas de glúten de copaíba aprovadas pela Academia de Medicina de Paris. Como não se abrem no estomago toleram-se sempre bem e não causam eructação. Empregadas sós ou com a injeção de Raquin curam em muito pouco tempo as gonorreias mais intensas.

Vamos ao segundo modelo: em meados do século XX, com o surgimento de novos medicamentos químicos, tendo os antibióticos como carro chefe, a forma de produção artesanal e descentralizada sucumbiu. Grandes laboratórios começaram a distribuir na rede varejista os novos medicamentos químicos, chamados de medicamentos éticos, cuja a venda começava a ser controlada centralmente. Para o seu consumo, se começava a exigir a receita médica. Aos poucos, os médicos foram substituindo os farmacêuticos no controle da venda dos medicamentos. Com a industrialização desses medicamentos químicos, as doses e combinações farmacológicas foram padronizadas, medida necessária a essa forma de produção. Os remédios assumem a forma de mercadoria, estabelecendo-se uma relação de parceria com os médicos, visando a aceitação dos consumidores desses produtos.

Como esclareceu Robert Whitaker, em seu conhecido trabalho, a Anatomia de uma Epidemia: “os médicos passaram então a desfrutar de um lugar muito privilegiado na sociedade norte-americana. (Também no Brasil). Controlavam o acesso do público aos antibióticos e a outros novos medicamentos. Em síntese, tinham se tornado os vendedores varejistas desses produtos, com os farmacêuticos simplesmente cumprindo as suas ordens, e, na qualidade de vendedores, passaram então a ter uma razão financeira para alardear as maravilhas dos novos produtos. Quanto maior fosse a percepção dos remédios, mais o público se inclinaria a procurar os consultórios para obter receitas. Ao que parece, a posição do próprio médico no mercado é fortemente influenciada por sua reputação de uso de drogas mais recentes.”

Nesse momento, com a substituição da produção artesanal de medicamentos, de marca registrada, pela produção industrializada dos medicamentos éticos, os farmacêuticos que controlavam o varejo perderam o espaço para os médicos; e os charlatães que disputavam com os médicos a clientela da assistência são finalmente derrotados, pois deixaram de ter acesso a prescrição e ao conhecimento sobre os novos remédios. Um novo saber sobre os medicamentos se constituiu sob a tutela dos médicos, e com a chancela do discurso científico; tornando os medicamentos artesanais obsoletos. Os interesses financeiros dos médicos alinharam-se perfeitamente com os da indústria farmacêutica. No Brasil, esses novos medicamentos só passaram pelo controle sanitário a partir de 1946. O Decreto nº 20.397/1946 se referia a medicamentos como especialidade farmacêutica e exigia que toda a especialidade fosse licenciada antes de ser exposta ao consumo. Era necessário somente comprovar a segurança do produto. A comprovação da eficácia do produto como exigência para o registro só a partir de 1976, com a lei 3.360/76. Mesmo assim, os produtos já licenciados estavam isentos.

No momento, quando a assistência médica já abandonou a forma de cuidados, assumindo a de produção de procedimentos, permitindo que a própria assistência incorporasse a forma de mercadoria; os médicos continuam zelosos na garantia da exclusividade da prescrição. Muitas prerrogativas foram suprimidas do texto da lei sobre o ato médico, mas o direito exclusivo de prescrição é inegociável. A disputa do mercado não é mais com os charlatães, mas com dezenas de profissionais de saúde não médicos. O poder exclusivo da intermediação do consumo dos produtos da indústria farmacêutica, e o combate a automedicação, continua sendo uma garantia de clientela.

Antônio Samarone.

sexta-feira, 16 de março de 2018

QUEM INVENTOU AS PÍLULAS



Quem inventou as pílulas?

As descobertas das causas das doenças infeciosas no final do Século XIX, ocorreram paralelo a revolução da indústria química. O sonho da medicina era encontrar uma “pílula mágica”, uma substância química, que destruísse o germe invasor, sem afetar o hospedeiro. Isso parecia um milagre, uma cura bíblica. O cientista alemão Paul Ehrlich descobriu que corantes têxteis tinham afinidade por células diferentes, e passou a pesquisar se algum produto químico era capaz da façanha de destruir o germe, sem matar o hospedeiro.

Em 1899, Paul Ehrlich passou a procurar uma droga que matasse seletivamente o tripanosoma causador da doença do sono. Em 1909, depois de testar mais de novecentos produtos, Ehrlich resolveu testar o 606, um composto a base de arsênico, o Salvarsan, na eliminação da Spirocheta pallida (nome antigo do Treponema pallidum), causador da sífilis. Na prática, o Salvarsan só era eficaz contra a sífilis primária. Somente em 1935, a Bayer apresentou as sulfanilamidas, eficazes no tratamento das infecções por estafilococos e estreptococos. A penicilina, descoberta em 1928, por Alexander Fleming, não foi possível a sua produção em larga escala, em 1944, num esforço de guerra. As empresas Merck, Squibb e Phizer conseguiram produzir a penicilina em larga escala. No início da década de 1950, a penicilina já era vendida em Aracaju.

Em 1922, a empresa Eli Lilly descobriu como extrair a insulina das glândulas pancreática dos animais, permitindo um tratamento eficaz do diabetes. No inicio de 1950, os cientistas tinham aprimorado as sínteses de substâncias químicas, produzindo melhores anestésicos, sedativos, anti-histamínicos e anticonvulsivantes. No final do século XIX, a Bayer patenteava a aspirina.  No-pós II Guerra, a produção de medicamentos químicos deixava de ser artesanal e tornava-se um ramo da indústria.
Antônio Samarone.

quarta-feira, 14 de março de 2018

A MEDICALIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS



A medicalização das redes sociais.

As redes sociais são acusadas de destruírem os relacionamentos humanos, impedirem o “tête à tête”, dificultarem as verdadeiras amizades, afastarem as pessoas, levando-as a solidão e ao desamor. Defender essa tese passou a ser politicamente correto, e não faltam profissionais para dar ares de cientificidade. As redes sociais evitam que as pessoas sejam mais felizes, e podem levar a transtornos mentais. As redes sociais são pragas. Virou doença.

Não acredito. As verdadeiras amizades sempre foram raras e a solidão é antiga. Pelo contrário, as redes sociais evitam o isolamento dos idosos, dos insones, dos que estão segregados por doenças, dos que temem a violência urbana, dos que não gostam de multidões. As redes sociais ampliam as possibilidades de relacionamentos, reduzindo os limites sociais e geográficos, facilitando o acesso a pessoas fora do nosso mundo privado. As redes sociais tornam os relacionamentos pessoais desgastados suportáveis. Os amigos virtuais são menos inconvenientes, causam menos decepções, pois já se espera pouco deles. E quando se percebe a canalhice dos amigos virtuais é só deletar.

Muitas famílias dispersas se reencontraram pelas redes sociais. Os grupos de WhatsApp reunificaram irmãos distantes, sobrinhos, primos; reuniu colegas de escola, amigos de infância; congregou funcionários de uma mesma empresa; interessados por um mesmo tema; agilizou a troca de informações. E quando se torna necessário os encontros diretos, marcamos essas confraternizações pelas redes sociais. Portanto, responsabilizar as tecnologias de comunicação pelo “esfriamento” das relações humanas, é não querer enfrentar a realidade da natureza humana.

Antônio Samarone.

terça-feira, 13 de março de 2018

LOUCOS DE TODOS OS GÊNEROS



Loucos de todos os gêneros...

Entre os nossos colegas na escola, convivíamos com gente de todos os tipos: os vadios, os gaiatos, os valentões, os tímidos, os cê-dê-efes, os aduladores, os sonsos, os perversos, os burros, os sabichões, etc. Todos éramos considerados mais ou menos normais. Era a variedade humana. Quando adultos, seguimos caminhos imprevisíveis pelo comportamento infantil.  

Hoje as crianças desviantes nas escolas são tratadas como portadoras de transtornos mentais, muitos como TDAH – transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, outros como deprimidos, bipolares, etc. A psiquiatria acha que existe um desequilíbrio dos neurotransmissores, que essas crianças precisam de ajuda médica. Muitos serão condenados a usar psicofármacos por longos períodos, tornando-se dependentes. A indústria farmacêutica agradece. Para onde caminha essa geração?

Antônio Samarone.

sábado, 10 de março de 2018

FIO DO CANÇO


De onde vem o “fio do canço”? 

Numa tradição centenária em Sergipe, usa-se a corruptela do nome de algumas doenças como xingamentos. Vamos lá: bexiguento (varíola); cabrunco (carbúnculo); peste (peste), gota serena (gota), estopor balaio (estupor), cranco (sífilis primária), lazarento (hanseníase), febre do rato (leptospirose), e assim vai. Observe que são todas doenças infecciosas, que representavam o perfil epidemiológico do passado. Como hoje predominam as doenças crônicas surgiram novos xingamentos. O famoso canço Itabaianense é uma corruptela de câncer. Nada a ver com “canso” do verbo cansar. O fio da peste, fio do cabrunco, evoluiram para fio do canço, acompanhando a epidemiologia. 

Antônio Samarone.

quinta-feira, 8 de março de 2018

A VOLTA DO MANICÔMIOS EM SERGIPE?



A volta dos manicômios em Sergipe?

Na política nacional de combate as drogas, coordenada pelo Ministério da Justiça, estão previstos recursos para as organizações não governamentais (ONGs), que se proponham manter “comunidades terapêuticas” (fazendas, sítios, recantos afastados), visando recolher, recuperar e reinserir socialmente os dependentes de drogas.

Não existe uma definição clara dos métodos de recuperação utilizados por tais “comunidades terapêuticas”, nem de sua eficácia, depende da cabeça, da fé e dos interesses de cada filantropo envolvido (padres, pastores, espiritas, políticos, aproveitadores, mães de santos). É uma área aberta para experimentos de recuperação de dependentes de drogas (disciplina, trabalho, rezas e orações, penitencias, milagres, pajelanças, ritos orientais, isolamento, autoajuda), ou de outro recurso qualquer que se acredite com o poder de afastar a pessoa da dependência química. Não existe estudos independentes sobre os índices de recaídas.

A confusão começou a se instalar quando o Ministério da Saúde integrou as comunidades terapêuticas à rede de atenção psicossocial, como sendo unidades de saúde. Sãos as primeiras unidades de saúde sem equipe técnica (médicos, enfermeiros, terapeutas, etc.). Como se não bastasse, o Ministério da Saúde definiu-as com prioritárias, assumiu o financiamento, e estabeleceu como meta, passar das atuais cinco para vinte mil vagas, nas tais comunidades terapêuticas. 

Nesse momento está aberta uma corrida ao tesouro. Quem quiser criar uma dessas comunidades terapêuticas, compra o terreno e vai atrás do financiamento do SUS. Existe uma resolução da ANVISA, de 2001, aprovando esses estabelecimentos, e remetendo para a Vigilância Sanitária a sua fiscalização. Em 2011, a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária regulamentou as comunidades terapêuticas (resolução nº 29/2011); como as referidas comunidades foram elevadas a categoria de unidades de saúde; passaram a se submeter também a (resolução nº 63/2011). Na prática, essas resoluções são letras mortas em Sergipe. No momento não se sabe nem quantas comunidades terapêuticas existem, nem onde funcionam.

A rede de atenção psicossocial e os seus CAPS, passaram para um segundo plano. A “bem gerida” Secretaria Estadual de Saúde, em Sergipe, já desmontou a coordenação de saúde mental, antes mesmo que a nova política do Ministério deslanche. Já existem CAPS no interior de Sergipe funcionando em apenas um turno.

O medo é que esses vinte mil leitos que estão sendo criados nas comunidades terapêuticas, sem equipe técnica responsável, sem fiscalização do Poder Público, sem modelo nem padrão de funcionamento, possam jogar as vítimas das drogas, em instituições semelhantes aos antigos manicômios, verdadeiros depósitos humanos. O nosso apelo aos Ministérios Públicos (estadual e federal): exerçam uma ação efetiva de fiscalização.
Antônio Samarone.

sexta-feira, 2 de março de 2018

A MACONHA EM SERGIPE



A maconha em Sergipe.

O médico sergipano RODRIGUES DORIA, foi quem primeiro no Brasil escreveu sobre a maconha. Apresentou o trabalho “Os fumadores de maconha: efeitos e males do vício”, no Segundo Congresso Cientifico Pan Americano, reunido em Washington D. C., a 27 de dezembro de 1915. Uma leitura que vale a pena.

Numa passagem, ele descreveu os modos de se fumar a liamba em Aracaju:

“Introduzem o tubo do cachimbo, que tem uns 30 centímetros, mais ou menos, pela boca da garrafa, até mergulhar na água, que em certa porção está no interior. Este é o dispositivo mais rudimentar, e fumam aplicando os lábios diretamente sobre a boca da garrafa que não fica de todo obturada, e onde chupam, precisando um certo exercício para conseguirem aspirar bem a fumaça. Uma dupla tubuladura, sendo um dos tubos curvos para embocadura, já é um aperfeiçoamento. No dispositivo da cabeça fazem um orifício no bojo menor, onde colocam um pequeno tubo de taquari, merostachys clausseni, gramíneas, onde chupam, puxam a fumaça, como se exprimem os praticantes. As vezes aspiram diretamente, pondo os lábios sobre a cabaça. Esses cachimbos constituem um arremedo do narghilé ou cachimbo turco, usado nas casas de fumar o ópio, ou nos bazares árabes onde se fuma o haschich. Ao cachimbo com o dispositivo da garrafa ou da cabaça dão, na gíria dos fumantes (Aracaju), o nome de Maricas. Os mais refinados no vício, fazem no tubo do cachimbo, na parte que fica fora da garrafa ou da cabaça, um pequeno furo para se desprender um pouco da fumaça que não foi lavada, e provocar espirros, irritando a pituitaria, e constituindo isto um epifenômeno poético do vício. O Maricas é companheiro inseparável dos canoeiros e barcaceiros. É também apreciado entre eles o burburinho que ao atravessar a água produz a fumaça sorvida em profundos e esforçados tragos.”

Rodrigues Doria, viajou na história:

“O uso da maconha é muito antigo. Heródoto fala da embriaguez dos Scythas que respiravam e bebiam a decoção dos grãos verdes do cânhamo. No livro de Botânica do Dr. J. M. Caminhoá, que foi professor desta matéria na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, lê-se que o famoso remédio das mulheres de Dióspolis, bem como o nepenthes de que fala Homero, e que Helena recebera de Polimnésio, era a Cannabis índica. Os Cruzados viram os efeitos nos Muçulmanos. Marco Polo observou nas cortes orientais entre os emires e os sultões. É muito usado no vale do Tigre e Eufrates, nas Índias, na Pérsia, no Turkestan, na Ásia Menor, no Egito e em todo o litoral africano. Com o cânhamo se prepara o haschich, como já foi dito, e ainda pouco conhecido na sua manipulação; o povo do Oriente fuma o pó das folhas e flores no narghilé.”

Para descrever os fumantes sergipanos, Rodrigues Dória, recorreu aos colegas médicos:

“O Dr. Aristides Fontes, que conversou com pescadores habituados a usar a maconha, ouviu que, quando se encontram no mar em canoas ou jangadas, fumam em grupos para se sentirem mais alegres, dispostos ao trabalho, e menos penosamente vencerem o frio e as agruras da vida do mar. Denominam assembleia a essa reunião, e começam a sessão, fumando no cachimbo Maricas, no qual puxa a sua tragada, na frase por eles empregada, para exprimir o esforço que exige o cachimbo tosco e a quantidade maior. da fumaça que procuram absorver. Depois de algumas fumadas, tocados pelo efeito da maconha, tornam-se alegres, conversadores, íntimos e amáveis na palestra; uns contam histórias; tais fazem versos; outros têm alucinações agradáveis, ouvem sons melodiosos, como o canto da sereia, entidade muito em voga entre eles. Um desses, caboclo, robusto, de 43 anos de idade, fumando a erva há mais de vinte anos, sem apresentar perturbação da saúde, informou que a usava, quando se sentia triste, com falta de apetite e pouca disposição para o trabalho, principalmente à noite, quando ia para a pescaria, ficando satisfeito, disposto e podendo comer copiosamente. Dizem que faz cessar as câimbras que experimentam ao entrar n’água, à noite.”

“Ao Dr. Xavier do Monte referiu L.S., a quem conheço, homem de 45 anos de idade mais ou menos, robusto, que fumou a maconha, como experiência, sentindo-se alegre, achando graça em tudo, dando estridentes gargalhadas a todo propósito, como um louco e tinha muita fome. Comeu desmesuradamente, e após cessou o delírio, entrando em sono profundo e calmo. Dizem que o açúcar de cana faz cessarem os fenômenos da embriaguez. Alguns misturam-no com as folhas no cachimbo.”

“O Dr. Alexandre Freire, médico que exerceu a clínica em uma vila do interior de Sergipe, referiu ter visto uma mulher embriagada pela maconha de tal forma excitada que, no meio da rua, não mostrando o menor respeito ao pudor e fazendo exibições, solicitava os transeuntes ao comércio intersexual. As prostitutas, que às vezes se dão ao vício, excitadas pela droga, quando fumam em sociedade, entregam-se ao deboche com furor, e praticam entre elas o tribalismo ou amor lésbico.”

“Na Penitenciária de Aracaju, onde de alguns anos para cá é proibida a entrada da maconha, por causa dos distúrbios por ela motivados entre presos, os sentenciados se entregavam ao hábito de fumá-la “para aliviarem o espírito acabrunhado pela prisão, e terem por esse modo momentos de distração e alegria.”

“Só após a minha volta do Congresso Científico Pan-Americano foi que recebi o resultado do inquérito, a meu pedido feito, pelo meu colega e amigo Dr. Francisco Fonseca, clínico na cidade de Maroim (Estado de Sergipe), na zona de sua prática. Essas informações confirmam pontos tratados nesta Memória, e foram principalmente fornecidos por um fumante inveterado de 60 a 65 anos, robusto, musculoso, sadio, atribuindo o seu vigor ao hábito de fumar maconha, desde rapaz, no Estado de Alagoas, de onde é filho, residindo há muitos anos em Pirambu, povoação e praia de banhos em Sergipe. Nessa povoação, e outras próximas, onde existem muitos pescadores, o vício é grandemente disseminado. Em lugares de Sergipe e Alagoas, nas margens do rio de São Francisco, cultivam a planta, que vendem, preparada para ser fumada, sob a denominação de pelotas, pela forma que tomam as inflorescências, e à razão de 3$000 o quilo, e 30$000 e 40$000 a arroba. Os informantes fazem as declarações com dificuldade e timidez, receosos de uma ação policial.”

Antônio Samarone.