domingo, 17 de abril de 2016

SÓ A ANTROPOFAGIA NOS UNE.





Antonio Samarone.

Hoje é o dia de uma batalha sem ganhadores. A sociedade brasileira dividida, eivada de ódios, aprofundará as divergências de raiz, das origens da nossa formação nacional. Nunca tivemos uma guerra de secessão. Contudo, colonizadores e nativos, nobres e plebeus, senhores e escravos, ricos e pobres, elite e povo, nunca resolveram as suas desavenças e contradições. “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Relembrando o velho manifesto de Oswald de Andrade.
Faz 460 anos que a nau Nossa Senhora da Ajuda encalhou na foz do Vaza Barris, Praias de Sergipe d’el Rey, onde os tupinambás devoraram, no maior ritual antropofágico da nossa história, o Bispo Dom Pero Fernandes Sardinha, um letrado formado em Sorbone, que não reconhecia os índios como filhos de Deus; o Provedor-Mor Antônio Cardoso de Barros, e toda a tripulação, formada por 90 colonizadores brancos, entre os quais, nobres e fidalgos portugueses. A padroeira de Itaporanga é uma homenagem à nau naufragada. As escolas ensinam erradamente que o naufrágio ocorreu na Foz do Rio Coruripe, e os índios foram os caetés. Por via das dúvidas, as duas nações, caetés e tupinambás foram exterminadas.   
Em 1557, a regente de Portugal, Catarina de Áustria, numa cruel sentença, declarou guerra justa e perpétua aos índios caetés e tupinambás e aos seus descendentes, independente de sexo e idade, por considerá-los culpado pelo sacrifício do Bispo. Se alguns escapassem deveriam ser escravizados. Essa sentença foi uma marca da nossa história e é cumprida até hoje. Nas revoltas populares derrotadas, nunca se perdoou os revoltosos após a rendição, geralmente são dizimados e as suas cabeças cortadas e expostas em vias públicas. Foi assim em Palmares, Canudos e tantas outras.
Os dois embates fundadores da relação povo/elite no Brasil, o nós/eles, ocorreram na bacia do Vaza Barris. O ritual de antropofagia na foz do Vaza, onde o Bispo Sardinha e comitiva foram degustados pelos tupinambás; e a guerra de Canudos, em Belo Monte, comunidade erguida nas baixadas férteis do Vaza Barris, em suas nascentes, lá para as bandas do Uauá. Relembrando Euclides da Cunha: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.” Como se não bastasse, desenterraram o cadáver de Conselheiro, para que a cabeça fosse cortada e levada como um troféu de guerra.
Essa relação pouco mudou. A sentença da Rainha Catarina continua vigorando, basta observarmos o que ainda ocorre com pobres e pretos quando tidos como suspeitos por supostos crimes ou mal feitos. Essa inclusão social ainda não ocorreu. Uma parte da sociedade, (os “caboclos que querem ser ingleses”), acredita que os males do Brasil decorrem da matéria prima que formatou o povo, da mestiçagem atávica; acredita que nunca seremos uma Nação desenvolvida, que passaremos da “barbárie a decadência, sem passarmos pela civilização”, como disse Lévi-Strauss. O desejo desta turma é sair do Brasil.
A outra parte da sociedade, não conseguiu até o momento encontrar um caminho para integração. Devorar o seu inimigo, significa a incorporação das suas virtudes e bravuras, num secular ritual antropofágico. Que cesse a convivência autoritária e violenta, onde o homicídio é um crime banalizado, e grupos em confrontos visam à eliminação mútua, pelo menos simbolicamente.

Essa separação povo/elite é profunda no Brasil, atávica, explorada irresponsavelmente pelo marqueteiro do PT nas últimas eleições, e que se mostrou mentirosa na hora de governar. Nem existem saídas com a exclusão social, nem com o poder público corroído pela corrupção e pelo parasitismo. Seja qual for o resultado da votação do impeachment, nada mudará por esses caminhos. Os grupos políticos em disputa não representam as ruas, são faces da mesma moeda, desde o Império. Não estão preocupadas com o Brasil. Acho que o alerta recente de uma canção popular que circula nas redes sociais, vale para todos. “O morro mandou dizer, que se a senzala descer, ninguém vai segurar”.