quarta-feira, 30 de março de 2016

NASCE UMA ESPERANÇA NO SUS EM SERGIPE.



Antonio Samarone de Santana.
Academia Sergipana de Medicina.


A interiorização das ações de saúde e saneamento (PIASS), na gestão de José Machado de Souza, final da década de 1970, foi à última experiência consistente de saúde pública, no âmbito da Secretária Estadual de Saúde.
A saúde em Sergipe, nos últimos 30 anos, teve a infelicidade de ser conduzida sob a égide dos interesses partidários e eleitoreiros, em três longas e penosas experiências. Ao final de cada gestão, não se avançava na qualidade dos serviços prestados a população, contudo, o gestor elegia-se o deputado federal mais votado e tornava-se uma liderança política.
Na última dessas aventuras, curiosamente durante o “governo das mudanças”, o modo petista de governar desmontou a rede básica; aparelhou o controle social, desmobilizou os servidores, com o uso do critério de adesão política para a escolha das chefias e gerências; levou a relação com os servidores para estado de beligerância permanente; e operou os recursos financeiros de forma perdulária. O próprio governador Marcelo Déda, num momento de desespero, foi levado a assumir pessoalmente as responsabilidades com a Saúde.
Com a posse de Jackson Barreto uma surpresa, a gestão da saúde foi entregue a um “outsider”, um engenheiro agrônomo, Zezinho Sobral. Sem a pretensão de realizar uma reforma sanitária, sem verdades prévias, humildemente, procurou os trabalhadores da saúde para pedir apoio e trabalhar em parceria, ocupou as gerencias com técnicos, pois freios no descontrole financeiro, desmontou os comitês políticos, botou o pé na estrada, e foi tentar consertar o que parece não ter mais jeito.  
Claro, muita coisa continua funcionando mal, o atendimento continua precário, falta isso, falta aquilo, mas muita coisa já melhorou. Não é fácil montar uma rede de serviços descentes a partir da situação encontrada. A bagaceira era grande. Contudo, os ventos começaram a soprar noutra direção.

Zezinho Sobral precisou deixar a Secretaria, e aí surgiram as especulações: quem seria o substituto? Para a minha surpresa e contentamento, o Governador anunciou hoje o nome de Conceição Mendonça, uma enfermeira, sem padrinhos políticos, sem sobrenome famoso; uma técnica, legitimada pela competência e compromisso com a coisa pública, sem ambição de ser chefe politico, sem ambição de enriquecimento, uma devota do serviço público, uma servidora do Sistema Único de Saúde (SUS). Quem sabe não seja esse o caminho? A Saúde que não deu certo em mãos dos coronéis da política pode ter encontrado o seu caminho na gestão profissionalizada, técnica, centrada no planejamento e no fim dos desperdícios com o dinheiro público. 

sábado, 5 de março de 2016

SECRETARIA DA SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL EM SERGIPE (MEMÓRIA).

                          
Antonio Samarone de Santana.

O Governador Seixas Dória indicou como Diretor do então Departamento de Saúde Pública o Dr. Alexandre Menezes, Sanitarista pernambucano radicado em Sergipe, que entre suas metas incluía a transformação do Departamento, vinculado a Secretária de Educação, numa Secretária independente. O golpe militar de 1964 frustrou esse plano.

O Governador Celso de Carvalho, em 16 de outubro de 1964, sancionou a lei nº 1.289, criando a Secretaria da Saúde e Assistência Social, indicando como primeiro Secretário, o médico sanitarista Walter Cardoso, intelectual experiente e de boa formação. O Dr. Walter tomou posse no dia 22 de outubro, às 10 horas da manhã, chamando a atenção para a falta de saneamento, e para os elevados índices de diarreia infantil no estado, definido suas metas.

As prioridades estavam mudando, a Saúde que no Brasil era sinônimo de Saúde Pública, passava a abrigar as ações de assistência social. A nova Secretária possuía serviços de profilaxia da lepra, da tuberculose, um serviço de amparo a maternidade e a infância, e o serviço de assistência aos psicopatas. Chama a atenção o fato de que em Sergipe, a assistência social é anterior a assistência médica entre os serviços ofertados pela instituição sanitária.

A lei trás uma obrigatoriedade interessante: Art. 4º - O Cargo de Secretário de Saúde e Assistência Social, de imediata confiança e livre escolha do Governador do Estado, será exercido, em comissão, por medico de preferência especialistas em Saúde Públicas, com os direitos, vantagens e prerrogativas dos demais Secretários de Estado.  

HOSPITAL SANTA IZABEL (PARTE CINCO)

Hospital Santa Izabel (Parte Cinco)

Antonio Samarone de Santana

A política de Olympio Campos, Presidente do Estado, na questão do hospital, como já vimos, era repassá-lo para uma instituição filantrópica. Para legalizar a passagem foi aprovada a lei n.º 391, de 23 de outubro de 1900, em que o seu artigo 1.o autoriza o Governo a entregar o Hospital de Caridade de Aracaju a uma instituição de caridade que se dispuser a administrá-lo. De acordo com essa lei, em seu artigo 3.o, os bens do hospital não seriam transferidos (“são inalienáveis os bens que constituem o patrimônio do Hospital”).

Para atender ao previsto na lei n. º 391, foi criada a “Associação Aracajuana de Beneficência”, para assumir a administração do hospital, que passará a ser chamado de Santa Isabel, assim permanecendo até os dias de hoje.

Os estatutos da “Associação Aracajuana de Beneficência” foram aprovados pelos decretos 497 e 498 de 30 de março e 19 de abril de 1901, respectivamente. O primeiro presidente da Associação foi o senhor Joseph Dória Netto. No momento da fundação, a associação possuía cerca de 105 sócios regulares. Como encarregado clínico do hospital permaneceu o Dr. José Moreira de Magalhães.

No momento da transferência, o Hospital possuía 60 leitos e o seguinte patrimônio: apólices do Governo da União, no valor de 6:500$000 réis; letras do Banco da Bahia, no valor de 6:000$000 réis; casa do mercado; edifício do talho de carne verde; edifício do hospital; dois cemitérios (Santa Isabel e Cruz Vermelha), um prédio na rua Aurora e terrenos na rua São Benedito.

Entretanto, no primeiro momento, o patrimônio do Hospital de Caridade não pertencia à Associação Aracajuana de Beneficência. Somente com a lei n. º 486, de 14 de outubro de 1904, no Governo de Josino Menezes, é que os bens do antigo Hospital de Caridade foram transferidos para a Associação.

A evolução do Hospital Santa Isabel se deu muito lentamente. Em 1908, o seu corpo clínico havia aumentado para três médicos, os Drs. Aristides Fontes, Cândido Costa Pinto e, uma novidade, um médico dos olhos, o Dr. Edilberto de Souza Campos, que, em 07 de janeiro de 1908, interna o primeiro paciente com esse tipo de moléstia no referido hospital. O hospital possuía ainda um capelão, o vigário Antídio Telles de Menezes, e os serviços de administração e enfermagem haviam sido entregues às “Irmãs do Santíssimo Sacramento”, e, em particular, à Irmã Gregorina, que irá assumir uma posição de destaque nessa instituição de caridade.

O funcionamento do hospital continuava dentro da ótica de muita caridade e pouca ciência. Em 1908, na enfermaria das mulheres, cujo encarregado era o Dr. Aristides Fontes, foram internadas 217 pacientes, das quais 34 faleceram. Uma mortalidade de mais de quinze por cento. O Dr. Cândido Costa Pinto encarregado das enfermarias São Sebastião e São Roque, descreve de forma sucinta as condições em que trabalhava:

“Estas enfermarias foram freqüentadas por 631 doentes, dos quais 50 faleceram, sendo que muitos deles entraram agonizantes, saindo a maioria absoluta curada e os demais muito melhorados. É pena dizer-se que muitos doentes tem ainda horror a uma casa de caridade, a ponto de que logo que sentem alguma melhora nos seus padecimentos insistirem por sua alta, a despeito de repetidos conselhos, e outros há que não querem sujeitar-se a certas operações que trazem com certeza completa cura.”

Com a chegada à Presidência da Associação Aracajuana de Beneficência do senhor Simeão Telles de Menezes Sobral, o hospital Santa Isabel receberá um grande alento. Uma das medidas foi o convite para que o Dr. Augusto Leite fizesse parte do corpo clínico daquela casa. Em 10 de janeiro de 1913, o Dr. Augusto assume suas tarefas no Santa Isabel, ao lado do Dr. Francisco de Barros Pimentel Franco, e em julho, apresenta as primeiras críticas ao funcionamento do hospital:

“Bem situado, conquanto de acesso difícil, o hospital Santa Isabel ainda não apresenta as condições higiênicas necessárias à realização perfeita do seu elevado fim”.
“Conta à enfermaria São Roque com 38 leitos, onde se alinham, numa convivência lamentável, casos os mais diversos de medicina e de cirurgia”.

Eram péssimas as instalações do Hospital Santa Isabel:

“Não possuía autoclave. Possuía apenas alguns instrumentos cirúrgicos, alguns vidros de ventosas e um termocautério de Pasquelin. Os doentes eram distribuídos, segundo o sexo, pelas duas enfermarias, indiferente, doente de moléstia aguda ou crônica, infecciosa ou não. Ocupavam camas ou esteiras. Não havia lugar especial para crianças. A sala de operações era a mesma sala de curativos.”

A luta de Augusto Leite para transformar o Santa Isabel num hospital adequado à nova medicina, incorporando os princípios da bacteriologia, da patologia e das análises laboratoriais, teve algum resultado.

O Dr. Augusto Leite precisou criar as condições para o desenvolvimento da clínica cirúrgica naquela casa. Desalojou as freiras dos seus aposentos e o diretor do seu gabinete, criando uma sala cirúrgica e uma pequena enfermaria para seus doentes, organizando o primeiro serviço de clínica cirúrgica de Sergipe.

“Operava no Hospital Santa Isabel, escandalosamente protegido pela providência. Não tínhamos laboratório, não tínhamos tensiômetro, nem eletrocardiograma, nem enfermaria idônea. Em começo, o nosso anestésico era o clorofórmio, proibido hoje de entrar nas salas de operações”.

O Dr. Augusto Leite, em junho de 1913, viaja para a Europa, passando seis meses em Paris, onde irá fazer um curso de “técnica operatória” e aperfeiçoar-se em clínica cirúrgica. Nessa sua primeira viagem a Paris o Dr. Augusto Leite ainda faz cursos de Partos (com Wallich e Cauvelaire), citoscopia (com Papin), olhos (com Lapersonne), otorrinolaringologia (com Sebileau) e moléstias da nutrição (com Marcel e Henri Labbé). Com o seu retomo é que começa o funcionamento da clínica cirúrgica do hospital Santa Isabel.

“A 9 de novembro de 1914, com material cirúrgico e de esterilização trazido por ele mesmo da Europa, o Dr. Augusto Leite expôs à luz do dia a cavidade abdominal de uma doente, para dela retirar um fibromioma uterino. Até então, nunca, ninguém em Sergipe abrira um ventre em operação cirúrgica. Estava, finalmente, inaugurado o ciclo da grande cirurgia no estado.”

Com todas as dificuldades, entre novembro de 1914 e outubro de 1926, o Dr. Augusto Leite realizou nesse hospital 408 laparotomias, 19 tireoidectomias, 61 talhas hipogástricas e 11 esplenectomias.
Augusto Leite desenvolveu seu trabalho cirúrgico auxiliado, inicialmente, pelos Drs. Aristides Fontes, Josaphat Brandão e por seu irmão, Sylvio César Leite. Curiosamente, foi com esse irmão que iniciou suas atividades como operador, ainda como estudante, quando passava as férias em Sergipe. O seu irmão, Dr. Sílvio César Leite, já era clínico conceituado do município de Riachuelo:

“Sílvio Leite era médico de sólida cultura humanista, bom clínico, e de esplêndida formação moral. Exerceu sobre mim, grande influência. Aprendi muito, com ele. Ajudava-o em operações comuns, naquele tempo. Permitia por outro lado, que eu também operasse, sob suas vistas”.

Antes da chegada do Dr. Augusto Leite a Sergipe, em 03 de maio de 1909, a prática médica andava distante do caminho que iria percorrer no século XX. Por esse tempo praticava-se em Sergipe apenas pequenas cirurgias e, de vez em quando, um ou outro médico aventurava-se numa amputação. Entretanto, mesmo antes de fazer parte do corpo clínico do Hospital Santa Isabel, o Dr. Augusto Leite já exercitava cirurgia em domicílio.


“Comecei a operar em Aracaju, antes de entrar para o Santa Isabel. Operava nas residências dos doentes. Operei muito. Até mastectomias largas cheguei a praticar em domicílios. Fiz partos em casebres de palha, à luz de querosene.”

HOSPITAL SANTA IZABEL (PARTE QUATRO)

Hospital Santa Izabel (Parte Quatro)

Antonio Samarone de Santana.

Em 1883, será nomeado diretor do hospital o Dr. José Marques da Silva Bastos. A partir de 1885, o Hospital de Caridade de Aracaju passa a ser dirigido pelo Dr. Augusto Borborema, logo substituído pelo Dr. Benjamim Aristide Ferreira Bandeira. Entretanto, em todas essas administrações, o homem forte continua sendo o Major José de Barros Pimentel. Os serviços médicos do hospital serão entregues ao Dr. Antônio Rodrigues de Souza Brandão, devido à exoneração, em 10 de junho de 1884, por avançada idade e quase cegueira, do Dr. Francisco Sabino Coelho Sampaio.

A mesma questão da grande dependência do Governo e da necessidade de entregar-se o hospital a uma instituição de caridade volta a ser levantada pelo Presidente Francisco Gouveia Cunha Barreto (1884), novamente sem sucesso.

“A atual Comissão administrativa, em seu relatório, trata da criação de uma Irmandade de Misericórdia (a questão retorna), constituída regularmente e a cujo cargo exclusivo fiquem todos os estabelecimentos de caridade aqui existentes”.

Não discordo dessa opinião, pois que deixando de ser considerado estabelecimento público o hospital de caridade passa a ficar sob as vistas de uma corporação religiosa, como é praxe em muitas outras Províncias do Império, poderá ele mais facilmente preencher os verdadeiros fins de sua existência...”[1]

Apesar de ser um ponto com o qual quase todos concordavam, a questão da transferência do Hospital Nossa Senhora da Conceição para uma instituição de caridade, só será resolvido no período Republicano, durante o Governo do Monsenhor Olímpio Campos (1899 a 1902), quando o hospital passará a chamar-se Santa Isabel e, finalmente, será entregue à “Associação Aracajuana de Beneficência”, com quem permanece até hoje.

É inegável que as condições de funcionamento do citado hospital, durante o Império, eram de extrema precariedade. Dr. Juliano Simões, num depoimento publicado pelo jornal da Sociedade Médica (julho 1986), descreve a situação do hospital por volta do início do século XX, nos seguintes termos:

“Sabemos, nós médicos mais antigos em Aracaju, que há muito tempo o Dr. Pimentel Franco quando ia passar visita a seus doentes, do serviço de mulheres, ao entrar na enfermaria levava ao seu lado um servente com um fogareiro aceso queimando incenso ou alcatrão, para poder suportar o mau cheiro do ambiente. Eu mesmo alcancei na enfermaria dos homens, o famigerado “pilão sem boca” (não sei por que lhe deram esse nome), local por trás de um tabique de madeira, onde doentes ulcerados ou desenganados, estendidos comumente em esteiras, arrastavam-se pelo chão até o canto, onde retiravam de um pote de barro, com um só caneco, a água para beber.”

A situação do hospital de caridade de Aracaju (atual Santa Isabel) continuou precária no inicio do período Republicano. No Governo de Oliveira Valadão (1896), já se discutia sobre a necessidade de transferir o hospital de Caridade da rua Aurora. A casa estava caindo.

Quanto ao funcionamento, em agosto de 1895, passaram pelo hospital 79 pacientes, dos quais 29 receberam alta e 8 faleceram. As causas dos óbitos foram: 2 casos de tuberculose pulmonar, 2 de leucemia, 1 de gastroenterite, 1 de pneumonia, 1 de catarro pulmonar e o último de ascite.

Em 1893, mais uma epidemia de varíola atingia Sergipe. O Governador, José Calazans, manda construir um grande lazareto para abrigar os bexiguentos. Foi exatamente para esse prédio, construído bem afastado da cidade, nos morros de areia do bairro Santo Antonio, que o hospital de caridade de Aracaju será transferido. No momento da transferência, os médicos que trabalhavam no hospital eram os doutores Costa Pinto e Aristide Fontes; e os serviços de enfermagem estavam entregues a uma italiana, a Irmã Gregorina.

No Governo Olympio Campos, o Hospital de Caridade de Aracaju é transferido da rua Aurora para o alto do Santo Antônio. Dias depois, desaba o teto da sede antiga e, por muito pouco, não aconteceu uma tragédia em Sergipe. A situação de precariedade da antiga sede do Hospital Nossa Senhora da Conceição foi descrita de forma minuciosa pelo Inspetor de Higiene, Dr. Davino Nomysio:

“O antigo edifício, além de achar-se encravado no centro da cidade, entre casas, é demasiadamente pequeno, dispondo apenas de duas salas, uma para homens e outra para mulheres, onde se encontram promiscuamente os enfermos de todas as espécies de moléstias internas e externas. Afora as referidas salas, que mal recebem luz por duas de suas faces, existe um compartimento alongado, destinado à enfermaria de polícia, comunicando diretamente com a latrina do edifício, que é antes uma fossa imunda e pestilenta, a derramar de contínuo por todo o prédio e particularmente na enfermaria mencionada, os pútridos vapores que exala, de um cheiro intolerável e nauseabundo”.

Para instalação do velho hospital no prédio do antigo Lazareto, foi comprado todo o instrumental cirúrgico na Europa e organizada uma pequena farmácia. A cirurgia ainda encontrava-se em estágio incipiente em Sergipe, como está evidente no quadro de ocorrências do hospital. Entre julho de 1901 e julho de 1902 foram realizadas apenas 16 cirurgias no Hospital Santa Isabel: uma amputação de braço, uma de perna e uma de coxa; três fimoses, duas parofimoses uma dilatação de uretra, uma paracentese e cinco abscessos. Eram chamadas pejorativamente de “cirurgias de postemas”.

O hospital vinha funcionando muito precariamente neste período, inclusive com graves denúncias de má aplicação dos minguados recursos. Antes da lei transferindo o hospital para uma instituição filantrópica, o Governo, em 25 de janeiro de 1900, nomeia uma comissão, composta pelo Inspetor do Tesouro, Luiz Marcolino Machado de Souza, e pelos senhores Alcebíades Leite e Augusto de Magalhães Carneiro, para efetuar uma rigorosa auditoria nas contas do hospital. Procura também fazer a doação de várias propriedades ao hospital, para que o mesmo, de forma autônoma, mantivesse sua administração sem os subsídios do Estado. Nesse momento, a subvenção estatal estava em torno de dez por cento da receita do hospital.

A saída vislumbrada para o Hospital de Caridade de Aracaju, desde o Império, era entregá-lo a uma Instituição Filantrópica. Como vimos no capítulo anterior, à exceção dos demais, o hospital de Aracaju era quase uma repartição pública. O Governo nomeava seus diretores e assumia a maior parte das despesas. Naquele momento não fazia parte das responsabilidades do poder público assumir a administração dos hospitais de caridade. A assistência médica aos “pobres e miseráveis” era tarefa da filantropia privada, mesmo com as dificuldades para se receber qualquer contribuição espontânea a partir do século XIX.

“O Hospital de Caridade desta Capital, que é por assim dizer uma instituição oficial, pois o pessoal de sua administração é nomeado pelo Presidente do Estado, que superintende todas as atas da administração, precisa ser reformado no sentido de dar-lhe uma administração autônoma, sem relação de dependência com o Governo, além das que são comuns a institutos dessa natureza.”




[1] Fala do Presidente da Província, Dr. Francisco de Gouvêa Cunha Barreto, com que abriu a 1a sessão da 25a Legislatura da Assembléia Provincial, em 02 de março de 1884.

HOSPITAL SANTA IZABEL (PARTE TRÊS)

Hospital Santa Izabel (Parte Três)

Antonio Samarone de Santana.

O funcionamento do Hospital Nossa Senhora da Conceição (Santa Izabel) durante o período Imperial foi bastante irregular. Momentos de boa administração alternavam-se com momentos de crise. Vez por outra, voltava à tona a questão de ser o hospital uma “Repartição Pública”, e da necessidade de repassá-lo para instituições filantrópicas. Em 1866, numa dessas crises financeiras, o Barão de Maruim doa um terreno, localizado junto à igreja de São Salvador, e o Governo empresta 20 contos de réis, para que a administração do hospital construísse uma “casa de mercado”, que passará a servir como fonte de renda. É um pouco estranho, mas o primeiro mercado de Aracaju pertenceu ao atual hospital Santa Isabel.

O financiamento do hospital, nesse período, foi feito basicamente pelo Tesouro. As chamadas contribuições filantrópicas por parte de almas caridosas estavam reduzidas a quantias simbólicas, com as quais não se conseguia cobrir nem as despesas com medicamentos. No balanço de 1866, encontramos que o Hospital Nossa Senhora da Conceição arrecadou naquele ano a quantia de 6:905$701 contos de réis, dos quais apenas 140$000 réis resultaram de donativos de particulares.

O grande responsável pela receita do hospital era o poder público, seja diretamente através de subvenções, seja através de outras formas de contribuições, como a marítima, o soldo dos praças de polícia e o imposto sobre a cana de aguardente. As outras fontes de receita como os juros das apólices, o aluguel da enfermaria São Sebastião aos militares, os rendimentos do cemitério representavam uma parcela inferior a 20% do total arrecadado.

No que se refere às despesas, nesse momento (1866) já superiores as receita, os itens que mais pesavam eram o fornecimento de víveres (1:825$041), pessoal do hospital (1:804$992), custeio (1:501$695) e fornecimento de medicamentos (1:489$652). Nesse ano, as despesas totais somaram 7:014$400 contos de réis, isto é, um pouco acima da receita existente. O que mantinha o hospital funcionando era um saldo que vinha do tempo da fundação, quando as doações foram relativamente generosas, e o que sobrou foi gasto aos poucos, no decorrer dos anos.

O que chama a atenção na participação do poder público no financiamento da chamada assistência médico-hospitalar filantrópica e a sua significativa importância como receita para o hospital, e seu desprezível valor como despesa para a Província. No caso da Província de Sergipe, essa participação se deu com maior força nas décadas de 1860/70, ou mais especificamente, nos quinze a vinte anos que se seguiram à grande epidemia de cólera.

Nota-se claramente uma redução dos gastos públicos com a assistência médica em Sergipe, no final do Império e em boa parte da Primeira República. No que se refere às despesas do poder público com as ações conhecidas como de saúde pública, a análise é mais complicada, uma vez que não aparecem nos orçamentos da década de 1860, de forma direta, mas embutidas nas rubricas de socorros públicos, obras públicas e despesas diversas.

No final do período Imperial, o Poder Público concedia subvenções diretas aos quatro hospitais em funcionamento na Província. O Hospital de Caridade de Aracaju recebia 2:000$000, o Amparo de Maria, em Estância 1:600$000, o São João de Deus, em Laranjeiras 1:600$000 e o hospital de Rosário do Catete 1:400$000. Ou seja, somente com a assistência médico-hospitalar, o poder público gastava cerca de 6:600$000 contos de réis. Em 1889, a receita total da Província foi de 533:354$695 réis e as despesas foram de 897:140$347 réis[1]. Além do grave desequilíbrio das contas públicas, percebemos que as ações de assistência hospitalar representavam cerca de 0,7% das despesas da Província.

No Governo do Presidente Cincinnato Pinto da Silva (1864), o hospital já passava por dificuldades financeiras e o principal responsável continua sendo a dependência do Estado. Novamente é levantada, sem sucesso, a possibilidade da criação da “Confraria Nossa Senhora da Conceição”, com compromissos religiosos, e a sua entrega à administração do hospital.

“Esse Estabelecimento não pode ainda receber todos os infelizes que o procuram, e em quanto tal suceder claro é que não preenche o seu grandioso fim. Há ali sessenta leitos; mas o estado das finanças dele não permitem que sejam socorridos mais de vinte doentes. É, portanto, necessário que a sua receita aumente para que ele possa abrigar maior número de miseráveis.
O Regulamento que o rege, colocou-o sob dependência imediata do governo. Não há uma Confraria, há sim uma comissão que não tem ligações por compromisso algum religioso. Logo que esse elemento entrar na constituição daquela casa mais pronunciadamente, persuado-me que ela, alargando a sua esfera, disporá de outros recursos. Pensando assim dirigi-me à Mesa Administrativa encarregando-a de organizar um compromisso, a fim de ser criada, nesta Cidade, a Confraria de Nossa Senhora da Conceição.”[2]

O hospital continua ligado ao Governo, e as direções vão se sucedendo. Em 1868, o Hospital de Caridade de Aracaju possuía uma nova direção. A Comissão Administrativa estava assim constituída: diretor, Dr. Manoel Pereira Guimarães; tesoureiro, João Manoel de Souza Pinto; Secretário, Capitão Polydoro Pereira da Fonseca Gomes; e mais, Dr. José João de Araújo Lima, Dr. Cvpriano de Almeida Sebrão, Capitão José Diniz ViIIas-boas e o Alferes Joaquim José Alves Guimarães.

Em setembro de 1872, o Presidente Joaquim Bento de Oliveira Júnior, em relatório de final de Governo, assim se manifesta sobre as condições do Hospital de Caridade de Aracaju:

“Pude observar o empenho com que a Comissão Administrativa tem procurado melhorar as condições do estabelecimento, mas não posso ocultar a impressão desagradável que experimentei vendo o estado de ruínas da casa, cujo triste aspecto dá muito má idéia da caridade que dentro dela se distribui.”

Desde a década de 1870, a questão da necessidade de transferência do Hospital de Caridade de Aracaju da casa acanhada localizada à Rua da Aurora para um local adequado, aparece na ordem do dia. Mesmo porque a casa onde funcionava o hospital tinha sido construída para instalação de um colégio, e depois adaptada no que foi possível.

A partir de 19 de janeiro de 1877, o Presidente José Martins Fontes exonera o Diretor do Hospital de Caridade, Dr. Manoel Pereira Guimarães, e nomeia uma nova Comissão Administrativa assim constituída: Gervásio Campello Pires Ferreira, Diretor; o Vigário José Luiz d’Azevedo, secretário; e mais, Ângelo Lopes de Leão, Aristides da Silveira Fontes, Theodomiro de Melo Barreto, Joaquim José Alves Guimarães e João Diniz Vilas-Boas. Nessa administração o hospital passa por uma grave crise, e o Presidente da Província substitui o Diretor (1878), nomeando em seu lugar o Comendador Cândido do Prado Pinto, e José de Barros Pimentel Filho, como tesoureiro, que durante muitos anos será o caixa forte daquela instituição.

“Basta dizer que uma de suas principais enfermarias não estava concluída, e as duas únicas que funcionavam achavam-se em péssimo estado de asseio, bem como todo o edifício, existindo nessa ocasião tão somente 7 doentes de caridade, achando-se o estabelecimento sobrecarregado de uma dívida de 2:500$000 contos de réis, não havendo fornecedor, quer de medicamentos, quer de víveres, contratados, porque na falta de pagamento ninguém queria sujeitar-se a semelhante ônus.”[3]



[1] Quadro de receitas e despesas do Estado de Sergipe, nos exercícios de 1835 a 1899, publicado em anexo à mensagem apresentada à Assembléia Legislativa, em 07 de setembro de 1900, pelo Presidente do Estado Monsenhor Olympio Campos.
[2] Fala do Presidente da Província, Dr. Cincinnato Pinto da Silva, com que foi aberta a segunda sessão da décima quarta legislatura da Assembléia Legislativa, em 01 de março de 1865.
[3] Relatório da Comissão Administrativa do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em 6 de janeiro de 1878.

HOSPITAL SANTA IZABEL (PARTE DOIS)

Hospital Santa Izabel (parte dois)

O funcionamento do hospital de caridade Santa Izabel obedecia às normas previstas num “Regimento” elaborado pelo Presidente da Província em 10 de fevereiro de 1862, com 60 artigos, que estabeleciam desde o salário dos servidores até a hora em que o médico deveria realizar a visita aos pacientes. O Regimento (art. 2.o) estabelecia também critérios para selecionar quem deveria ser preferencialmente atendido, que pela ordem, seriam os doentes reconhecidamente pobres, os náuticos de condição livre (não escravo) e os praças do corpo policial. O Regimento obrigava a celebração do Santo Sacrifício da Missa nos primeiros domingos de cada mês.

O “Regimento” do Hospital Santa Izabel previa ainda a existência, no serviço interno do hospital, de um médico, um enfermeiro e uma enfermeira. Ao médico competia, entre outras atribuições, visitar os doentes, em dias alternados, das sete e meia às oito horas da manhã; prescrever o tratamento clínico; velar sobre o curativo dos doentes; manter entre os doentes a necessária harmonia e moralidade, impondo-lhes, quando merecerem, as penas correcionais indicadas no “Regimento”[1] e, ainda competia ao médico, prestar contas ao Governo da Província e à Comissão Administrativa, por escrito ou verbalmente, de quaisquer informações que lhe forem exigidas referentes aos serviços a seu cargo.

Ao enfermeiro se exige que, além de residir no hospital, seja pessoa de bons costumes, diligente, cristã e caridosa, que goze de boa saúde e saiba ler, escrever e contar, e que tenha alguma prática em cuidar de doentes.

O Regimento também proibia o internamento de doentes portadores de doenças eminentemente contagiosas[2] e estabelecia uma espécie de “farda” para os doentes internos. Para os homens, essa farda consistia num barrete e numa camisa de mangas compridas e, para as mulheres, um vestido escuro e um lenço branco. Essas roupas deveriam ser trocadas todos os sábados à tarde. A farda incluía também um par de chinelos para abrigar os pés. As visitas só eram permitidas das onze as onze e meias da manhã, e das quatro as quatro e meia da tarde, salvo quando feitas em companhia do mordomo ou do médico.

Junto a cada cama existia sempre uma escarradeira, uma pequena mesa de gaveta para uso e refeições dos doentes, caixas de retrete contendo cubos de louça para suas “precisões”, quando por seu estado de gravidade não puderem se dirigir para a latrina da enfermaria. No centro da enfermaria existia um lampião, que se conservava aceso todas as noites das seis da tarde às seis da manhã. De quinze em quinze dias as enfermarias deveriam ser desinfetadas com uma mistura de licor de Labarraque, preparações cloretadas e água.

A responsabilidade pelos pacientes terminais recaía sobre os enfermeiros e serventes. Diz o Regimento Interno do Hospital:

“Os enfermeiros e serventes serão obrigados a assistir aos enfermos que estiverem em agonia, invocando em seu socorro o Santíssimo nome de Deus; e prestando-lhes todos os ofícios da caridade, que costumam ter lugar nos últimos momentos da vida, e que são recomendados pela Religião do Estado.”[3]

Logo que falecia qualquer doente, o enfermeiro era obrigado a colocar o cadáver sobre um estrado de madeira e cobri-lo com um lençol branco e, somente após essa providência, ele deveria comunicar ao médico, para que o mesmo comprovasse a morte e autorizasse o enterramento.




[1] O Regimento, em seu artigo 31 prevê: “O doente que por sua indocilidade desrespeitar ao médico ou a qualquer dos enfermeiros deverá ser repreendido por aquele ou mesmo punido para sua correção conforme a gravidade de sua falta, ora restringindo ou alterando-lhe a dieta, ora separando-o da comunicação dos outros doentes, tudo segundo o permitir o seu estado mórbido; arbítrio este que fica dependente da prudência e perícia profissional do médico.”
[2]Artigo 22, do Regimento do Hospital Nossa Senhora da Conceição: “Deverá ser despedido pelo médico, ainda depois de recolhido à enfermaria, aquele doente, que na ocasião da visita for reconhecido afetado de moléstia eminentemente contagiosa, sendo tal medida comunicada imediatamente ao mordomo”.
[3] Artigo 40, do Regimento Interno do Hospital Nossa Senhora da Conceição.

HOSPITAL SANTA IZABEL (PARTE UM)

Hospital de Santa Isabel.

 Antonio Samarone de Santana.

Após a grande epidemia de cólera em Sergipe (1855), com mais de trinta mil óbitos em três meses, o Presidente da Província, Salvador Correia de Sá, manda edificar um Hospital de Caridade em Aracaju, que acabava de assumir a condição de capital do Estado. A resolução número 467, de 13 de março de 1857, determina a edificação de um hospital de caridade, em local apropriado. Entretanto, essa idéia não saiu do papel. Outra resolução, a de número 498, de 24 de maio de 1858, autorizava o Governo a estabelecer na capital, um hospital de caridade, de nome “Hospital Nossa Senhora da Conceição” (o atual “Santa Isabel”). Em 26 de maio de 1858, finalmente, foram encomendados ao Major Engenheiro Sebastião José Bazilio Pyrrilio, a confecção da planta e o orçamento da obra.

Desde 20 de julho de 1858, ao Dr. Francisco Sabino Coelho Sampaio, já nomeado médico do futuro hospital, é dado à incumbência de emitir parecer sobre a referida planta[1]. O hospital só funcionará a partir de 1862.

O Presidente da Província nesse período, Dr. João Dabney D’Avellar Brotero, preocupado para que os custos do futuro hospital não viessem recair exclusivamente sobre os cofres públicos, tentou, sem sucesso, criar uma Santa Casa de Misericórdia para administrar o futuro hospital. Foi criada uma comissão composta pelo chefe de polícia, Ângelo Francisco Ramos, pelo cônego vigário geral, Ignácio Antonio da Costa Lobo, pelos tenentes-coronéis Félix Barreto de Vasconcelos e Antonio Carneiro de Menezes e pelo Dr. Francisco Sabino Coelho Sampaio visando a arrecadar fundos para a futura instituição.

“Parece-me que um estabelecimento tão piedoso e filantrópico jamais devia ficar exposto à condição de uma duração efêmera; que essas comissões obsequiosas nomeadas pelo Governo raras vezes prestam-se ao cabal desempenho de seus misteres; que um hospital assim constituído teria de exclusivamente pesar sobre os Cofres da Província, quando por ventura não fosse suprimido por qualquer eventualidade, ocorreu-me que lhes dada uma existência mais vital e duradoura revestindo sua administração de um caráter e prestígio religioso, e que por isso a criação nesta Capital de uma Santa Casa de Misericórdia, a cargo de cuja mesa administrativa viesse a ficar o dito hospital, preencheria mais normalmente os fins a que se o destina; ao mesmo tempo em que esta com maior solicitude e rigoroso dever promoveria os meios de mantê-lo, e torná-lo estável, além da incontestável vantagem de conservar-se uma instituição de tal categoria, e cuja base é a prática dos salutares princípios de caridade, em uma Capital recente, onde sequer não exige uma só Corporação Religiosa.” [2]

A empreitada para organizar uma Santa Casa em Aracaju foi um fracasso. A filantropia social já estava em declínio na Província de Sergipe em meados do século XIX. Mesmo assim, para a construção do hospital, o Governo pede ajuda aos proprietários e capitalistas da província, conforme atesta o ofício circular, datado de 04 de julho de 1861. Não encontramos referências quanto ao possível valor arrecadado. Na realidade, o hospital foi construído praticamente com recursos públicos. Sobre os gastos do Tesouro com a construção do hospital “Nossa Senhora da Conceição”, assim se pronuncia o Presidente da Província, Dr. Thomaz Alves Júnior:

“Esta obra contratada com Joaquim José Alves Guimarães está concluída. Além dos 7:000$000, valor do contrato, despendeu-se mais com a pintura —316:500 — com o aterro de um grande buraco — 390:000 — e com o cercado do quintal se deve despender 200:000.”[3]

O Hospital “Nossa Senhora da Conceição” (atual Santa Isabel), começou a funcionar na Rua Aurora (atual Rua da Frente), no trecho em entre as ruas de Estância e Maroim, em 16 de fevereiro de 1862, no governo do Presidente Joaquim Jacinto Mendonça.

Após muita discussão, o hospital foi entregue para ser administrado a uma comissão nomeada pelo Governo da Província, de acordo com o “Regulamento” aprovado em 10 de fevereiro de 1862. Para sua manutenção, o Presidente entregou as rendas do recém-construído cemitério de “Nossa Senhora da Conceição” (atual cemitério Santa Isabel), que começou a funcionar em 27/02/1862. A Comissão Administrativa, sua composição e competência foram definidas pelo Regulamento[4] do Hospital.

“Esta comissão, da qual será tesoureiro nato o tesoureiro provincial, será composta deste e de mais seis cidadãos probos e conceituados dentre os quais designará o Governo um para Diretor e outro para Secretário.”[5]

Houve muita polêmica quanto a quem deveria ser entregue a administração do novo hospital, pois havia setores que defendiam que a saída não seria a criação de uma Santa Casa de Misericórdia, houve uma tentativa frustrada; más entregar o hospital a uma instituição religiosa já existente, como a “Irmandade do Santíssimo Sacramento”, o que também não deu certo. Como vimos, o hospital findou sendo entregue a uma comissão nomeada pelo Governo e funcionando quase como uma “Repartição Pública”. O hospital era visto como uma instituição que revelava o espírito de caridade dos homens e o seu estado civilizatório.

A construção do cemitério “Nossa Senhora da Conceição” (atual Santa Isabel), que será uma das fontes de renda para o hospital, só foi possível graças a recursos enviados pelo Imperador Pedro II e pela colaboração da “Sociedade de São José dos Artistas”, que ofereceu vinte oficiais pedreiros com os respectivos serventes, para que trabalhassem gratuitamente até o final das obras.

Também para a manutenção do Hospital, o Barão de Maruim (João Gomes de Melo) doou um terreno na rua da feira, para que a administração do hospital construísse uma “casa de mercado”, que passaria a ser mais uma alternativa de renda para o Hospital. O primeiro mercado de Aracaju pertenceu ao Hospital Santa Isabel.

O Presidente Joaquim Jacinto de Mendonça (1862) nomeia para dirigir o hospital “uma comissão composta de sete cidadãos prestantes e zelosos, cuja dedicação e caridade são proverbiais”[6], assim constituída: Presidente, Dr. Joaquim José de Oliveira; Secretário, Tenente Coronel Manoel Diniz Vilas-Boas; Tesoureiro, Major João Manoel de Souza Pinto, e mais, o Tenente Coronel Antonio Carneiro de Menezes, o Capitão Antonio Rodrigues das Cotias, o Capitão José Pinto da Cruz e o Alferes Antonio José Pereira Guimarães. Foi essa a primeira diretoria do atual Hospital “Santa Isabel”.

No seu primeiro ano de funcionamento, o Hospital de Caridade de Aracaju atendeu 442 pacientes, sendo as enfermidades sifilíticas, as afecções do peito e as sezões traumáticas as moléstias mais freqüentes. O Hospital contava com três enfermarias: São Roque, Santa Isabel e São Sebastião (militar), e possuía em torno de 60 leitos. O médico do Hospital, Dr. Francisco Sabino Coelho Sampaio, que também exercia as funções de cirurgião, cedeu cinco meses dos seus vencimentos para ajudar o funcionamento do hospital.




[1] Relatório com que foi entregue à administração da Província de Sergipe, no dia 07 de março de 1858, ao Dr. Manoel da Cunha Galvão pelo Dr. João Dabney D’Avellar Brotero.
[2] Relatório do Presidente da Província, Dr. João Dabney D’Avelar Brotero, em 07 de março de 1859, ao passar o Governo ao Dr. Manoel da Cunha Galvão.
[3] Relatório apresentado à Assembléia Provincial, em 04 de março de 1861, pelo Presidente da Província, Dr. Thomaz Alves Júnior.
[4] Regulamento aprovado pelo Presidente da Província, Joaquim Jacinto Mendonça, em 10 de fevereiro de 1862, de acordo com o previsto no artigo 4o, da Resolução Provincial n.º 498, de 24 de maio de 1858.
[5] Artigo 2o do Regulamento do Hospital Nossa Senhora da Conceição.
[6] Relatório do Presidente, Joaquim Jacinto de Mendonça, em março de 1863.

terça-feira, 1 de março de 2016

MEDICINA PRIVADA EM SERGIPE


Medina Privada em Sergipe

Antonio Samarone de Santana.

No Brasil, a saúde representa 9,5% do PIB, constituindo-se num relevante setor da economia de mercado. Desta fatia, os recursos públicos (União, Estados e Munícipios) representam 45% e os recursos privados 55%. As operadoras de planos de saúde cobrem 25% da população; e o Sistema Único de Saúde 75%. Em 2014, as operadoras de planos de saúde tiveram um faturamento de 117 bilhões. O fato é que a medicina privada, que por lei seria suplementar, há muito se tornou hegemônica, ditando seu modelo assistencial, sua lógica e os seus objetivos.
Em Sergipe, a medicina comercial ocupa uma fatia menor do mercado. Em 2015, de uma população estimada em 2,2 milhões de habitantes, apenas 316 mil possuíam a cobertura de um plano de saúde (dado de set. 2015); ou seja, menos de 15%. Os demais, 1,9 milhões (85%) são atendidos pelo IPES (137 mil), Sistema Único de Saúde (SUS) e pelos 210 médicos cubanos (Mais Médicos). Como se percebe, toda a rede de clínicas, laboratórios e hospitais privados; concentrados nas imediações do Bairro São José, destinam-se ao atendimento de 15% da população de Sergipe.
Mesmo assim, a maioria desses 316 mil sergipanos possui os chamados planos de saúde mais simples, de cobertura limitada. Desses, 88 mil - UNIMED, 71 mil – Hapvida, 26 mil - Plamed, 19 mil - Bradesco Seguro, Petrobrás – 16 mil, Banco do Brasil – 13 mil, GEAP – 13 mil e a Amil – 2,9 mil. É para essa fatia da população que está montada a rede privada de saúde. A compra direta de procedimentos está restrita a meia dúzia de ricos, que mesmo assim, quando são acometidos de uma doença mais grave, procura o atendimento em São Paulo.
A venda de procedimentos aos SUS, sobretudo os de alta complexidade, ainda representa uma significativa parcela do faturamento de alguns serviços comerciais. Dos 316 mil de sergipanos, clientes da medicina privada, consumidores de procedimentos médicos, 230 mil residem em Aracaju, onde se concentram os serviços.