Hospital Santa Izabel (Parte Cinco)
Antonio Samarone de Santana
A política de Olympio Campos, Presidente do Estado, na questão do
hospital, como já vimos, era repassá-lo para uma instituição filantrópica. Para
legalizar a passagem foi aprovada a lei n.º 391, de 23 de outubro de 1900, em
que o seu artigo 1.o autoriza o Governo a entregar o Hospital de Caridade de
Aracaju a uma instituição de caridade que se dispuser a administrá-lo. De
acordo com essa lei, em seu artigo 3.o, os bens do hospital não seriam
transferidos (“são inalienáveis os bens que constituem o patrimônio do
Hospital”).
Para atender ao previsto na lei n. º 391, foi criada a “Associação
Aracajuana de Beneficência”, para assumir a administração do hospital, que
passará a ser chamado de Santa Isabel, assim permanecendo até os dias de hoje.
Os estatutos da “Associação Aracajuana de Beneficência” foram
aprovados pelos decretos 497 e 498 de 30 de março e 19 de abril de 1901,
respectivamente. O primeiro presidente da Associação foi o senhor Joseph Dória
Netto. No momento da fundação, a associação possuía cerca de 105 sócios
regulares. Como encarregado clínico do hospital permaneceu o Dr. José Moreira
de Magalhães.
No momento da transferência, o Hospital possuía 60 leitos e o
seguinte patrimônio: apólices do Governo da União, no valor de 6:500$000 réis;
letras do Banco da Bahia, no valor de 6:000$000 réis; casa do mercado; edifício
do talho de carne verde; edifício do hospital; dois cemitérios (Santa Isabel e
Cruz Vermelha), um prédio na rua Aurora e terrenos na rua São Benedito.
Entretanto, no primeiro momento, o patrimônio do Hospital de
Caridade não pertencia à Associação Aracajuana de Beneficência. Somente com a
lei n. º 486, de 14 de outubro de 1904, no Governo de Josino Menezes, é que os
bens do antigo Hospital de Caridade foram transferidos para a Associação.
A evolução do Hospital Santa Isabel se deu muito lentamente. Em
1908, o seu corpo clínico havia aumentado para três médicos, os Drs. Aristides
Fontes, Cândido Costa Pinto e, uma novidade, um médico dos olhos, o Dr.
Edilberto de Souza Campos, que, em 07 de janeiro de 1908, interna o primeiro
paciente com esse tipo de moléstia no referido hospital. O hospital possuía
ainda um capelão, o vigário Antídio Telles de Menezes, e os serviços de
administração e enfermagem haviam sido entregues às “Irmãs do Santíssimo
Sacramento”, e, em particular, à Irmã Gregorina, que irá assumir uma posição de
destaque nessa instituição de caridade.
O funcionamento do hospital continuava dentro da ótica de muita
caridade e pouca ciência. Em 1908, na enfermaria das mulheres, cujo encarregado
era o Dr. Aristides Fontes, foram internadas 217 pacientes, das quais 34
faleceram. Uma mortalidade de mais de quinze por cento. O Dr. Cândido Costa
Pinto encarregado das enfermarias São Sebastião e São Roque, descreve de forma
sucinta as condições em que trabalhava:
“Estas enfermarias foram freqüentadas por 631 doentes, dos quais
50 faleceram, sendo que muitos deles entraram agonizantes, saindo a maioria
absoluta curada e os demais muito melhorados. É pena dizer-se que muitos
doentes tem ainda horror a uma casa de caridade, a ponto de que logo que sentem
alguma melhora nos seus padecimentos insistirem por sua alta, a despeito de
repetidos conselhos, e outros há que não querem sujeitar-se a certas operações
que trazem com certeza completa cura.”
Com a chegada à Presidência da Associação Aracajuana de
Beneficência do senhor Simeão Telles de Menezes Sobral, o hospital Santa Isabel
receberá um grande alento. Uma das medidas foi o convite para que o Dr. Augusto
Leite fizesse parte do corpo clínico daquela casa. Em 10 de janeiro de 1913, o
Dr. Augusto assume suas tarefas no Santa Isabel, ao lado do Dr. Francisco de
Barros Pimentel Franco, e em julho, apresenta as primeiras críticas ao
funcionamento do hospital:
“Bem situado, conquanto de acesso difícil, o hospital Santa Isabel
ainda não apresenta as condições higiênicas necessárias à realização perfeita
do seu elevado fim”.
“Conta à enfermaria São Roque com 38 leitos, onde se alinham, numa
convivência lamentável, casos os mais diversos de medicina e de cirurgia”.
Eram péssimas as instalações do Hospital Santa Isabel:
“Não possuía autoclave. Possuía apenas alguns instrumentos
cirúrgicos, alguns vidros de ventosas e um termocautério de Pasquelin. Os
doentes eram distribuídos, segundo o sexo, pelas duas enfermarias, indiferente,
doente de moléstia aguda ou crônica, infecciosa ou não. Ocupavam camas ou
esteiras. Não havia lugar especial para crianças. A sala de operações era a
mesma sala de curativos.”
A luta de Augusto Leite para transformar o Santa Isabel num
hospital adequado à nova medicina, incorporando os princípios da bacteriologia,
da patologia e das análises laboratoriais, teve algum resultado.
O Dr. Augusto Leite precisou criar as condições para o
desenvolvimento da clínica cirúrgica naquela casa. Desalojou as freiras dos
seus aposentos e o diretor do seu gabinete, criando uma sala cirúrgica e uma
pequena enfermaria para seus doentes, organizando o primeiro serviço de clínica
cirúrgica de Sergipe.
“Operava no Hospital Santa Isabel, escandalosamente protegido pela
providência. Não tínhamos laboratório, não tínhamos tensiômetro, nem
eletrocardiograma, nem enfermaria idônea. Em começo, o nosso anestésico era o
clorofórmio, proibido hoje de entrar nas salas de operações”.
O Dr. Augusto Leite, em junho de 1913, viaja para a Europa,
passando seis meses em Paris, onde irá fazer um curso de “técnica operatória” e
aperfeiçoar-se em clínica cirúrgica. Nessa sua primeira viagem a Paris o Dr.
Augusto Leite ainda faz cursos de Partos (com Wallich e Cauvelaire), citoscopia
(com Papin), olhos (com Lapersonne), otorrinolaringologia (com Sebileau) e
moléstias da nutrição (com Marcel e Henri Labbé). Com o seu retomo é que começa
o funcionamento da clínica cirúrgica do hospital Santa Isabel.
“A 9 de novembro de 1914, com material cirúrgico e de
esterilização trazido por ele mesmo da Europa, o Dr. Augusto Leite expôs à luz
do dia a cavidade abdominal de uma doente, para dela retirar um fibromioma
uterino. Até então, nunca, ninguém em Sergipe abrira um ventre em operação
cirúrgica. Estava, finalmente, inaugurado o ciclo da grande cirurgia no
estado.”
Com todas as dificuldades, entre novembro de 1914 e outubro de 1926,
o Dr. Augusto Leite realizou nesse hospital 408 laparotomias, 19
tireoidectomias, 61 talhas hipogástricas e 11 esplenectomias.
Augusto Leite desenvolveu seu trabalho cirúrgico auxiliado,
inicialmente, pelos Drs. Aristides Fontes, Josaphat Brandão e por seu irmão,
Sylvio César Leite. Curiosamente, foi com esse irmão que iniciou suas
atividades como operador, ainda como estudante, quando passava as férias em
Sergipe. O seu irmão, Dr. Sílvio César Leite, já era clínico conceituado do
município de Riachuelo:
“Sílvio Leite era médico de sólida cultura humanista, bom clínico,
e de esplêndida formação moral. Exerceu sobre mim, grande influência. Aprendi
muito, com ele. Ajudava-o em operações comuns, naquele tempo. Permitia por
outro lado, que eu também operasse, sob suas vistas”.
Antes da chegada do Dr. Augusto Leite a Sergipe, em 03 de maio de
1909, a prática médica andava distante do caminho que iria percorrer no século
XX. Por esse tempo praticava-se em Sergipe apenas pequenas cirurgias e, de vez
em quando, um ou outro médico aventurava-se numa amputação. Entretanto, mesmo
antes de fazer parte do corpo clínico do Hospital Santa Isabel, o Dr. Augusto
Leite já exercitava cirurgia em domicílio.
“Comecei a operar em Aracaju, antes de entrar para o Santa Isabel.
Operava nas residências dos doentes. Operei muito. Até mastectomias largas
cheguei a praticar em domicílios. Fiz partos em casebres de palha, à luz de
querosene.”