quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O FIM DA SAÚDE PÚBLICA


ANTONIO SAMARONE
Academia Sergipana de Medicina.

O Ministério da Saúde decretou “estado de emergência” em Saúde Pública. O Nordeste foi surpreendido por uma epidemia de microcefalia, doença incapacitante e sem tratamento. Para agravar, os infectologistas suspeitam que o zika vírus seja a causa. Como esclarecimento, o zika vírus, febre amarela, febre chicungunha e a conhecida dengue são transmitidos pelo mesmo mosquito, o Aedes Aegypti. No momento, o único recurso eficaz para o combate a essas enfermidades é a erradicação do mosquito ou, no mínimo, o seu controle. Essa luta é centenária.
No inicio do Século XX (1902 a 1907), Oswaldo Cruz teve sucesso no controle do Aedes aegypti, eliminando a febre amarela do Rio de janeiro, através das brigadas sanitárias. Com o incentivo da Fundação Rockefeller, nas décadas de 1930 e 1940, foram executadas intensas campanhas de erradicação de Aedes aegypti no Brasil. Em 1947, a Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde decidiram coordenar a erradicação do Aedes aegypti no continente. Em 1956, foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), órgão que assumiu as ações de combate à febre amarela e à malária, incorporando o Serviço Nacional de Febre Amarela e a Campanha de Erradicação da Malária.
Em 1958, na XV Conferência Sanitária Pan-Americana, em Porto Rico, foi oficialmente declarado que o Brasil conseguira erradicar o Aedes aegypti. Em 1967, criou-se a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), que absorveu as funções do DENERu. No mesmo ano, o mosquito é encontrado no Estado do Pará, e dois anos depois, em 1969, no Estado do Maranhão. Em 1973, um último foco foi eliminado e o vetor, novamente, considerado erradicado do território brasileiro.
Em 1976, entretanto, o Aedes aegypti retornou ao Brasil, em função de falhas na vigilância epidemiológica. Com o fim da SUCAM em 1991, no Governo Collor, a responsabilidade pelo controle das endemias passou para os munícipios, pondo fim a qualquer esperança no controle do Aedes aegypti. Em 1996, o Ministério da Saúde elaborou o Plano de Erradicação do Aedes aegypti (PEAa), cuja principal preocupação residia nos casos de dengue hemorrágica, que podem levar à morte. Quase nada deu certo, a dengue grassou solta durante esses anos. Em julho de 2001, o Governo abandonou oficialmente a meta de erradicar Aedes aegypti do País e passou a trabalhar com o objetivo de controlar o vetor.
Em 2002, foi implantado o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), com a seguinte estratégia: elaboração de programas permanentes, desenvolvimento de campanhas de informação e de mobilização da população, fortalecimento da vigilância epidemiológica e entomológica, melhoria da qualidade do trabalho de campo no combate ao vetor, integração das ações de controle da dengue na atenção básica, com a mobilização do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF), utilização de instrumentos legais que facilitem o trabalho do poder público na eliminação de criadouros em imóveis comerciais, casas abandonadas, atuação multissetorial, no fomento à destinação adequada de resíduos sólidos e à utilização de recipientes seguros para armazenagem de água e desenvolvimento de instrumentos mais eficazes de acompanhamento e supervisão.

Portanto, o caminho para o controle ou até mesmo a erradicação (já conseguimos antes), são conhecidos, o que falta é vontade política, responsabilidade, seriedade para se tomar decisões, e recursos para a execução dos trabalhos. Nos oito primeiros meses de 2015, o número de mortes causadas pela dengue no país foi de 693, e já constitui o maior índice anual desde que a doença começou a ser monitorada em detalhes, em 1990. O recorde anterior havia sido atingido em 2013, com 674 mortes. Se não bastasse, estamos diante da epidemia de microcefalia, 739 casos notificados até agora. Vamos aguarda as providências, não basta declarar “estado de emergência em saúde pública”. Chama atenção a indiferença da sociedade. Que Deus nos proteja.