quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A FEBRE AMARELA VEM DE LONGE.


A febre amarela vem de longe.

(texto: Antonio Samarone)

A história antiga da medicina não relata a febre amarela. A primeira epidemia só foi registrada em 1495, no Haiti, durante a segunda expedição de Cristóvão Colombo. No Brasil, a primeira epidemia de febre amarela aconteceu em 1685, no Recife. Esta Peste da febre amarela no Recife está descrita no “Tratado Único da Constituição Pestilencial de Pernambuco: primeira descrição dos "males" por João Ferreira da Rosa no século XVII”, tornando-se uma referência para o mundo.

Em decorrência desta mazela, iniciou-se em Recife a primeira campanha de Saúde Pública que se tem notícia no Brasil. Entre as providências, a purificação do ar se destacou: Cada grupo de cinco moradores ficou com a obrigação de acender uma fogueira com ervas cheirosas, durante trinta dias. Nas fogueiras se lançariam ramos de murta, incenso, almecega, bálsamo, óleo de copaíba e galhos de aroeira e de erva-cidreira. Existem dúvidas se a tradição de acender fogueiras no Nordeste tem a ver com Santa Izabel, mãe de São João Batista, ou com o combate às epidemias.

Entre as medidas de combate a epidemia de febre amarela no Recife, essa chama mais a atenção: “Por fim, far-se-ia o rol de todas as meretrizes para as despejar da terra para dez léguas de distância caso ofendessem a Deus, e os homens, livres ou escravos, que se achassem com elas em pecado seriam presos, pagando multa e sofrendo degredo, se reincidentes. E, finalmente, proibia que “mulher de qualquer qualidade” andasse sozinha nas ruas, depois das ave-marias. Somente em rede com suas escravas conhecidas; e sendo só, se estivesse em companhia do marido ou dos pais. Multa e açoites para quem desobedecesse a este artigo.”

Outra epidemia de febre amarela foi registrada na Bahia: Em 1686, aos “quatro dias andados do mês de abril”, surgiu o tifo icteroide na Bahia. Deram-lhe o nome de bicha, “pelo voraz e apressado do seu golpe” e porque a todos mordia. “No Brasil, os anos de 1849 a 1861 foram particularmente infaustos no que tange à febre-amarela. Durante esse período a doença se propagou do norte ao sul do País, eclodindo em quase todas as Províncias do Império e levando-lhes a desolação e o luto.”. Por conta desta epidemia ter chegado ao Rio de Janeiro, onde se tornou endêmica, foi criada a Junta Central de Higiene Pública. Ainda em 1850, foi diagnosticada em Sergipe, inicialmente na cidade de Itabaiana, uma febre igual à da Bahia.

Encurtando a história, no alvorecer do século XX, o Presidente Rodrigues Alves nomeou Oswaldo Cruz como Diretor da Saúde Pública, com o objetivo central de combater a febre amarela, que ameaçava as zonas portuárias, dificultando assim as exportações, item principal da economia. Usando dos novos conhecimentos sobre as doenças transmissíveis, dos métodos da chamada polícia médica e atacando frontalmente o mosquito (Aedes aegypti), o cientista conseguiu reduzir a zero a mortalidade pela doença, em menos de três anos. Entretanto, a febre amarela continua grassando pelo restante do país.
Em 25 de janeiro de 1929, o Governo Brasileiro assinou um contrato com a Fundação Rockefeller tornando-a responsável pelo combate à febre amarela, da Bahia a Amazônia, por todo o norte do país. A região Sul ficou a cargo do Departamento Nacional de Saúde Pública. Entre 1931 e 1939, o contrato foi estendido, e a febre amarela em todo país ficou a cargo da Fundação Rockefeller. Neste período, surgiram dúvidas quanto ao diagnóstico da febre amarela, muitas vezes confundida com a malária. A saída encontrada foi a viscerotomia, ou seja, colher fragmentos do fígado dos casos suspeitos. Inicialmente o material era colhido em cadáveres. Com os resultados encontrados, resolveu-se criar um aparelho, o viscerotomo, e passar a colher o material no fígado dos vivos.

Em abril de 1928, Dr. M. E. Connor, então Diretor do Serviço de Febre Amarela no Norte do Brasil, dera instruções a Dr. Mário Bião, em Estância, Estado de Sergipe, para a colheita rotineira de amostras de tecido hepático para o diagnóstico de febre-amarela. O povo da Estância serviu de cobaia para a implantação deste agressivo e cruento método, que se espalhou em pouco tempo por todo o Brasil. Daí surgiu o medo do povo pelo “papafigo”, que nada mais era que os antigos agentes sanitários puncionando o fígado dos viventes, no combate à febre amarela. 

Em 23 de janeiro de 1940 foi criado o Serviço Nacional de Febre-Amarela, passando à responsabilidade exclusiva para os sanitaristas brasileiros. O novo serviço, adotou no combate à febre amarela o sistema de flambagem das paredes internas das casas infestadas; o combate aos focos de larvas ou de ninfas, com a mistura de óleos Diesel e Fuel; e o combate à fase alada com a aplicação de inseticidas, por meio de bombas aspersoras manuais, no interior das casas onde fossem encontrados focos da estegomia (Aedes aegypti), e naquelas que estivessem dentro de um raio de 100 metros, em torno da casa com foco. Em 1947, o Serviço Nacional de Febre-Amarela iniciou o emprego do dicloro-difenil-tricloretano (DDT), no combate ao mosquito.

A Lei n.º 1.920, de 25 de julho de 1953, criou o Ministério da Saúde, desmembrando-o da Educação. Em 07 de março de 1956, foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), absorvendo os Serviços Nacionais de Malária, Peste e Febre-Amarela.  O sucesso da atuação da Saúde Pública permitiu que, em setembro de 1958, na XV Conferência Sanitária Pan-Americana realizada em Porto Rico, o representante do Brasil, Dr. Luiz Ferreira Tavares Lessa, declarasse erradicado do Território Brasileiro o mosquito Aedes aegypti. Esta declaração foi aceita pela Resolução XXXV daquela Conferência Sanitária, em 2 de outubro de 1958. Somente em 1967, surgiram notícias da reinfestação do Aedes aegypti, na cidade de Belém do Pará.

Em 22 de maio de 1970, com a fusão do DNERU com outros órgãos de Saúde Pública, criou-se a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), onde tive a felicidade de estagiar durante o ano de 1979. A SUCAM deu continuidade ao relevante trabalho do DNERU.

Para concluir, após séculos de combate as epidemias, com o desmonte da Saúde Pública, o Brasil voltou ao desespero de uma nova ameaça da febre amarela. Estamos desprotegidos. Por ironia, os maiores riscos surgiram em estados ricos (São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia); mas todo o Brasil está ameaçado pelas velhas doenças tropicais. E quando começa o desmonte da Saúde Pública?
Exatamente em 1990, Governo Sarney, quando a SUCAM foi incorporada a FUNASA, ou seja, extinta na prática. A responsabilidade pelo combate à febre amarela passou para os munícipios, ou seja, foi entregue às baratas. As redes municipais de saúde são perdulárias e incapazes, via de regra. Se não bastassem a dengue, chikungunya e zika; a velha febre amarela renasceu, ainda em sua forma rural, mas tendo tudo para se tornar urbana. O único recurso que atualmente dispõe a Saúde Pública é a vacinação. Viva Oswaldo Cruz.

Fonte principal: História da Febre Amarela no Brasil, Odair Franco.

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