sábado, 30 de maio de 2015

Hospital do Câncer de Sergipe: uma voz destoante.


Hospital do Câncer de Sergipe, uma voz destoante.

Antonio Samarone de Santana
Academia Sergipana de Medicina

Após longa disputa política pela paternidade, troca de insultos e acusações, o Hospital do Câncer de Sergipe ganhará vida. Ressalte-se que há consenso em torno da ideia: políticos e eleitores, doentes e médicos; imprensa falada e escrita; autoridades civis, militares e eclesiásticas, todos defendem a benfeitoria. Será se Nelson Rodrigues tinha razão?
Diante de tantos apelos, tão sinceros e tão sentidos, o Governo de Sergipe decidiu construir um hospital de cinco andares, especializado no tratamento do câncer: 24 leitos de quimioterapia infantil, enfermaria de emergência, 43 leitos de quimioterapia adulto, avançado centro de imagem, radioterapia com dois aceleradores lineares, gama câmara, ressonância magnética, dois aparelhos de tomografia, centro cirúrgico com seis salas, 10 leitos de UTI infantil, 10 leitos de UTI adulto, 30 leitos de internamento infantil, 120 leitos para internamento de adultos. https://www.youtube.com/watch?v=TSmypwa_Yik
Até o momento foram gastos 12 milhões com a terraplanagem; as obras estão orçadas em 80 milhões, com mais outros 80, por baixo, para compra dos equipamentos, insumos e imobiliários. As vantagens apontadas é que os pacientes com câncer não precisarão mais enfrentar filas, recebendo um tratamento humanizado, e ainda poderemos atender com qualidade a demanda dos Estados vizinhos. Será uma ilha de qualidade e tecnologia, boa gestão e recursos suficientes, num mar de precariedades do nosso querido SUS. Quanto custará o custeio mensal para o funcionamento e em qual orçamento será incluído? Qual o custo médio de um leito oncológico? E com as novas tecnologias, o tratamento do câncer deve mesmo ser feito em hospitais especializados? Claro, isso não é pergunta que se faça...
O tratamento feito em regime ambulatorial mostrou-se mais fácil e mais bem tolerado pelos pacientes. Hoje existem drogas potentes para reduzir as náuseas e vômitos, evitar a queda na resistência, evitar infecções, estimular a produção de leucócitos permitindo que os pacientes sejam tratados em casa.  Pacientes com câncer, desidratados, com febre e septicemia são cada vez mais raros com os novos tratamentos, e quando aparecem, é mais eficaz interna-los em hospitais gerais, onde existem múltiplos recursos terapêuticos.
Nenhuma das três formas de tratamentos do câncer conhecidas, quimioterapia, radioterapia e cirurgia, necessitam de um hospital especializados; muito menos a moderna terapia alvo; os internamentos quando necessários decorrem das complicações e das intercorrências de outras patologias; melhor tratadas nos hospitais gerais. Na verdade, o racional seria construir-se uma ala de oncologia num hospital geral, que já dispõe de outros recursos, de um corpo clínico diversificado, do que o investimento num hospital especializado.
No caso de Sergipe, essa Ala já existe. O setor de oncologia do Hospital João Alves (HUSE), quando construído, era o mais bem equipado do Nordeste, com todas as condições de prestar bons serviços à população. O Centro de Oncologia Dr. Oswaldo Leite (COOL) do HUSE dispõe de 49 leitos (21 infantis e 28 de adultos) para internamento e realiza atendimentos clínicos e ambulatoriais, assim como tratamentos oncológicos à base de quimioterapia e radioterapia. Por mês, o COOL aproximadamente 2,5 mil consultas médicas com oncologistas, administra em torno de 70 quimioterapias e faz 115 sessões de radioterapia por dia. http://www.fhs.se.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=78:huse&catid=9&Itemid=473
As mazelas do início tardio dos tratamentos, falta constante de medicamentos, sucateamento, entre outros, decorrem da gestão inadequada e do financiamento insuficiente; problemas que não serão resolvidos somente com a construção de um hospital especializado. Por que os recursos que serão aplicados na aquisição de novas tecnologias, benvindas e necessárias, não são instaladas no setor de oncologia do HUSE, fortalecendo o tratamento ambulatorial?
Sabem por quê? Porque construir e equipar Unidades de Saúde é fácil e os recursos sempre aparecem, o problema é o custeio para mantê-las em funcionamento. Realizar a obra, botar uma placa, inaugurar com festa, divulgar o feito, tudo isso agrada politicamente, mas é tudo inconsistente. Qual foi a melhoria para a saúde da população da construção, nas beiras das estradas, das noventas “clínicas de saúde da família”, no governo passado? Por que a construção de hospitais pelo interior, todos funcionando bem abaixo da capacidade instalada, por dificuldades no custeio, não aliviou a sobrecarga do HUSE?
Se o tratamento do câncer em hospitais especializados é mais humano e mais eficaz, por que o setor privado, que atende aos ricos, segue outro caminho? A rede de Oncoclínicas do Brasil, com 26 unidades privadas de tratamento oncológico, que figuram entre as maiores clínicas do setor no país, presentes nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe e Pernambuco, não possuem leitos para internamentos.

Tudo bem, e o Hospital do Câncer I, do INCA, na Praça da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro, como se justifica? A diferença é que ele também exerce um papel importante no desenvolvimento da pesquisa oncológica do Instituto e dos programas de residência médica e de enfermagem, dos cursos de especialização e atualização, entre outros. Não será o caso do Hospital do Câncer de Sergipe.