A Reforma Sanitária Americana
Antonio Samarone de Santana
Academia Sergipana de Medicina.
"Da força da grana que ergue e destrói coisas belas" - Caetano Veloso.
Os Estados Unidos, que em 2009
gastaram 2,5 trilhões de dólares com a Saúde, mais do que o PIB da França,
estão realizando uma profunda mudança em seu Sistema de Saúde, a chamada Ação
de Assistência Acessível (do inglês ACA - Affordable Care Act). Para garantir o
acesso universal aos serviços de saúde, todo cidadão americano terá um Planos
de Saúde. Outra mudança, até 2020, será implantado o prontuário eletrônico,
gerando economia e agilizando a troca de informações sobre os pacientes. A
melhoria na qualidade do atendimento passa pelo registro eletrônico dos dados
dos pacientes e o seu acompanhamento. O governo americano está investindo 27
bilhões de dólares nos próximos 10 anos em tecnologia da informação, visando
reduzir custos e melhorar o atendimento.
Na visão de futuro, os EUA
caminham para a desospitalização e no reforço ao atendimento domiciliar,
reduzindo a ida dos pacientes aos serviços de urgência e ambulatórios. A meta é
reduzir dois terços dos internamentos por doenças crônicas. O atendimento em
domicilio permite uma cobertura 24 horas, todos os dias; enquanto no modelo
atual o atendimento é limitado ao horário comercial, com um detalhe, o sistema
domiciliar reduz significativamente os custos. Os médicos serão remunerados por
ações de promoção e prevenção. Na contramão de outros setores da economia, na
saúde, a tecnologia e a inovação trazem aumento dos custos. A saúde enquanto
mercadoria vira um objeto de luxo.
Como já vimos, a saúde no mercado
apresenta-se como procedimento, e o consumo depende da decisão dos produtores,
portanto, uma equação de custos ilimitados. Um caso atípico de mercado, mais
lesivo que os monopólios, o consumo decorre da oferta e é decidido pelos
vendedores dos procedimentos. O conflito entre as necessidades dos consumidores
(pacientes) e o lucro do negócio é escancarado, muitas vezes, lesivo aos
pacientes. Este fato gera uma contradição entre os setores do segmento saúde
que pagam (poder público, planos de saúde, seguros, pessoa física), e os
sistemas assistenciais de venda de procedimentos, que recebem.
Na reforma de Obama, esta forma
de compra de serviços por procedimentos executados, será substituída por uma
alternativa mais racional e menos custosa. O prazo para o retorno nas consultas
foi ampliado para 30 dias. As despesas geradas com as internações de eventos
agudos, considerados os cuidados três dias antes e trinta dias depois da
internação será remunerado como uma única despesa, obrigando os serviços a
melhorarem sua produtividade, a evitarem erros médicos e reduzirem os índices
de infecção hospitalar, caso contrário seus lucros seria. No Brasil, os
procedimentos são realizados por decisão dos vendedores, e a conta paga pelos
consumidores, diretamente, ou através dos planos e seguros de saúde, ou pelo
erário público.
Nos Estados Unidos, 64% do
consumo dos procedimentos de saúde é realizado por dez por cento dos mais
idosos na população; se ampliar a faixa para 20%, o consumo passa para 80% de
todos os serviços ofertados. Portanto, o controle dos custos deve ser centrado
nessa população mais idosa, portadora de doenças crônicas. A grande mudança
está na forma de atender esses pacientes, que necessita ser individualizada,
acompanhada diariamente, gerenciada, tentando controlar os problemas para se
evitar as intercorrências agudas. Um retorno ao modelo do cuidado médico. Não
será uma mudança fácil, pois bate de frente com os interesses mercantis do
segmento da saúde.
Por outro lado, os 50% mais
jovens da população, representam apenas 3% de todos os custos de cuidados com a
saúde, nos EUA. Talvez no Brasil, devido aos elevados índices de violência, (homicídio
e acidente de trânsito), e que ocorrem sobretudo nos jovens, esses gastos sejam
proporcionalmente mais elevados. Desconheço estudos sobre os custos do consumo
médico por faixa etária no Brasil. As
doenças que mais caras nos Estados Unidos são a insuficiência cardíaca
congestiva, diabetes, hipertensão, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma e
doença arterial coronariana. Bem provável que no Brasil seja muito próximo.
Outra medida da reforma do
sistema de saúde americano foi a criação de uma instituição de pesquisa, sem
fins lucrativos, para avaliar a eficiência dos tratamentos médicos, criar um
banco de dados; e o resultado disso tudo será considerado um bem público. Se
essa transformação for efetivada terá ampla repercussão nos sistemas de saúde
no mundo. Atualmente, essas pesquisas estão sob o comando e orientação hegemônica
do Capital. Já foram investidos 1,1 bilhão de dólares na criação deste centro
de pesquisa.
Claro, a implantação de qualquer
reforma encontrará resistência, e não existe garantias prévias que os objetivos
serão atingidos. Entretanto, surge uma esperança de uma medicina mais humana,
menos comercial, incorporando a tecnologia em benefício dos pacientes. Ao
contrário do divulgado, a esperança não está na medicina cubana, humana mais
atrasada, uma medicina simplificada, incompatível com o atual perfil
epidemiológico e com os progressos da ciência. O modelo cubano não tem resposta
para as doenças crônicas. A esperança também não está na medicina comercial,
centrada no lucro, que atualmente domina o mundo capitalista. Dialeticamente, o
remédio está surgindo onde a doença é mais grave, onde a medicina é cem por
cento capitalista, e a saúde mercadoria. A esperança está na reforma sanitária americana,
em curso no governo Obama.